Rondônia, 22 de novembro de 2024
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13 de maio, lembrar sempre

Em meio à pandemia, quero hoje lembrar (e este é uma das funções da História -"A função do Historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer". - Peter Burke) de um dos episódios mais tristes de nossa história: A escravidão. Lembrar que o Brasil foi o último pais a “libertar” os escravos e que, na prática, o 13 de maio é importante para buscar tirar os holofotes da princesa e destacarmos a luz, o brilho e a importância de Luiz Gama, André Rebouças, José do Patrocínio e tantos outros homens e mulheres, negros e negras que foram ofuscados e silenciados por um processo de criação historiográfica racista.

Lembrar que o 13 de maio é uma data que serve também para nos mostrar que há muito o que lutar, pois embora a lei Áurea tenha oficialmente extinguido a escravidão, ela se eximiu de incluir socialmente e economicamente os negros e negras, deixando-os à margem e à própria sorte. Por isso, não há o que se comemorar, pois a abolição no dia 13 de maio de 1888 não trouxe medidas e soluções eficientes para a integralização dos ex-escravos em nossa sociedade.

E para lembrar, trago dois depoimentos, separados por mais de 200 anos, mas que mostram a cruel realidade da escravidão cada vez mais presente:

Depoimento 1. “Meu deus, me tira dessa, não me deixa morrer”, ele pedia, em voz baixa, enquanto corria mata adentro. Há apenas 11 dias no ramo, João já ouvira alertas dos colegas mais experientes sobre como equipes do estado tratam trabalhadores como eles: repressão, prisão e, segundo corre pela rádio peão, até violência física. As refeições, feitas em dois fogareiros de argila improvisados em latas de 18 litros, eram de arroz, feijão e macarrão. Com eventuais pedaços de carne de sol, que ficavam pendurados em um varal bastante visitado por moscas. A água vinha em tonéis, com um “farelinho” no fundo. O banho de balde era amparado por um biombo de folhas de palmeira e lona. Para as demais necessidades, a floresta era o banheiro. (Folha do Pará, 05/03/2020)

Depoimento 2: Oh! A repugnância e sujeira daquele lugar horrível nunca serão apagados da minha memória. Enquanto a memória mantiver seu assento neste cérebro distraído, vou me lembrar disso. O coração se entristece, ainda hoje, ao pensar sobre aqueles dias. Sofremos muito por conta da falta de água, nos foi negado tudo o que precisávamos. Um grande número de escravos morreu na viagem. Havia um pobre homem, ficou tão desesperado pela falta de água que tentou roubar uma faca do homem branco. Ele foi levado para o convés e nunca soube o que aconteceu com ele. Eu suponho que tenha sido foi lançado ao mar.

Mais de 200 anos do fatídico 13 de maio e as histórias se repetem, os mesmos enredos com os mesmos personagens: o negro.

Lembrar que dentre os desempregados, no contingente abismal de 13 milhões de brasileiros, 63,7% são pretos ou pardos, conforme apontou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) divulgada no ano passado. A mesma pesquisa mostra que pretos e pardos recebem, em média, R$ 1.531, ou seja, quase a metade do rendimento médio dos brancos, que é de R$ 2.757.

Por sua vez, os dados do Infopen, o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça, divulgados no final do ano passado, mostram a seletividade imposta à população negra pelo sistema penal brasileiro. Enquanto no total da população brasileira com mais de 15 anos 53% das pessoas se declaram negras, 64% dos presos no sistema penitenciário nacional são negros.

Lembrar que os negros são as maiores vítimas de violência, o maior número de desempregados e encarcerados, com os menores índices de alfabetização e de acesso aos bens de consumo, bem os com menor acesso à internet e água potável mostra o quanto o 13 de maio de 1888 continua deixando a desejar aos negros desse país.

E embora se reconheça a importância das políticas públicas voltadas à população negra, a verdadeira abolição da escravatura não vem com expedientes burocráticos, mas com muita luta. As conquistas mais recentemente do movimento negro, como as ações afirmativas, estão aí para provar isso.

A data serve para relembrarmos que é preciso continuar lutando pela inclusão social e econômica neste país que hoje concentra o maior número de população negra fora do continente africano.

Lembrar sempre...

* Célio Leandro é mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul e doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná,, escritor e membro da Academia Rondoniense de Letras

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