Rondônia, 30 de abril de 2024
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Brasileiros prometem “tocar fogo” em propriedades se forem expulsos da Bolívia

Famílias de posseiros e fazendeiros brasileiros prometem resistir ou “tocar fogo” em suas propriedades na zona de fronteira do departamento de Pando, na Bolívia, após o presidente Evo Morales exigir a retirada delas, sem indenização, até o dia 14 de dezembro, para ocupar a região com 4 mil famílias de colonos que serão transferidas de La Paz e Cochabamba.

O governo boliviano transferirá duas mil famílias camponesas de La Paz e Cochabamba, na região central do país, para o departamento amazônico de Pando, na fronteira com o Brasil. A medida vem sendo criticada pela oposição.

A insatisfação das famílias brasileiras ficou evidente durante reunião realizada nesta quinta-feira em Plácido de Castro (AC), na fronteira com a Bolívia, que contou com a presença de representantes da embaixada brasileira em La Paz e do Escritório Regional para o Cone Sul da Organização Internacional para as Migrações (OIM), ligada à ONU.

- Conheço posseiros e fazendeiros que investiram durante toda a vida em suas propriedades na Bolívia. Entre perder tudo e ficar sem nada, vários deles estão se organizando para resistir à expulsão - afirmou o vereador Alisson Ferreira (PTB) ao representantes Cláudia Vasques (embaixada do Brasil em La Paz) e Miguel Alfredo Ruiz (OIM).

Evo Morales quer a desintrusão de uma faixa de 50 km da fronteira, dispondo-se a transferir as famílias brasileiras que queiram permanecer em território boliviano para áreas mais ao centro do país. O governo brasileiro transferiu US$ 10,2 milhões para o Programa Latino-Americano de Cooperação Técnica em Migrações (PLACMI) da OIM.

O governo brasileiro também destinou R$ 20 milhões para fortalecer uma cooperação com o governo de Evo Morales, especialmente na área de desenvolvimento agrário e de agricultura familiar no Brasil.

A verba se destina a prestar assistência na implantação da política fundiária de reforma agrária do governo boliviano e, ao mesmo tempo, viabilizar a regularização migratória e fundiária de famílias brasileiras que se dedicam a atividades extrativistas, à pequena agricultura e outras atividades em território boliviano, na faixa de fronteira do departamento de Pando, assegurando sua ocupação econômica e seu desenvolvimento sustentado.

De acordo com levantamentos sócio-econômicos do governo boliviano, existem 243 famílias exclusivamente brasileiras e vulneráveis na zona de Bellaflor e Rapirran, em Pando. Os dois governos estão empenhados em oferecer alternativa sustentada de reocupação desses grupos pobres.

Os US$ 10,2 milhões que o governo brasileiro destinou à OIM estão sendo utilizados na concepção e desenvolvimento de projetos destinados à ocupação econômica de cidadãos brasileiros que devam retirar-se de terras que hoje ocupam na faixa de fronteira entre a Província de Abunã, do Departamento de Pando, na Bolívia, e o Estado de Acre, no Brasil, por força da implementação de normas legais do Governo da Bolívia. Também nacionais bolivianos poderão beneficiar-se dos referidos projetos, atendida sua finalidade principal em relação aos brasileiros.

Os projetos da OIM poderão contemplar, entrou outras, unidades produtivas, “agrovilas” e sistemas agropecuários com moradias, infraestrutura básica e capacidade de produção em áreas designadas pelo governo boliviano Pando.

- A OIM coordena a execução dos projetos e administra os recursos. Em coordenação com os governos da Bolívia e do Brasil, vamos  identificar as terras a serem utilizadas, com base em estudos que atendam ao critério de viabilidade econômica das unidades produtivas a serem implantadas, bem como de proximidade das famílias a serem assentadas - disse o representante colombiano da OIM, Miguel Alfredo Ruiz.

As famílias brasileiras fixadas na região, consultadas pela OIM sobre o interesse de se transferirem não demonstram a menor disposição. As que concordarem com a transferência permanecerão onde se encontram até que a mesma se efetive.

Com a assistência da OIM, os governos da Bolívia e do Brasil discutirão formas de solução humanitária com respeito às que não optem pela transferência, de maneira que se garanta o abandono das terras que, segundo a Constituição Política do Estado da Bolívia, não podem ser ocupadas por estrangeiros.

Os prazos acordados para esta finalidade são os seguintes: até 15 de dezembro de 2008, a OIM submeterá à consideração de ambos os governos a proposta de cronograma de execução; a implementação do cronograma, aprovado por ambos os governos, terá como limite o mês de novembro de 2009.

E N T R E V I S T A - Waldemar Gomes

Blog da Amazônia - O senhor é brasileiro, mas vive há quanto tempo na Bolívia?
Waldemar Gomes - Bem, estou lá já faz 47 anos. Fui pra lá cortar seringa, com meus pais, quando tinha 15 anos. Vivo na colocação Alto Mutum, na beia do Rio Abunã, há mais de 30 anos.

Quantos filhos o senhor tem?
Sou casado com brasileira e temos nove filhos. Todos nasceram lá, na Bolívia. Um deles até já serviu ao exército boliviano e só não morreu de fome porque a gente ajudava com alimento pro quartel. A minha colocação é muito boa de rancho e serviu pra ajudar a alimentar aos solados. Meus filhos já são todos de maior. Eles [bolivianos] disseram que vão me botar pra fora, que não tem jeito a dar.

Qual o tamanho da área que sua família ocupa?
Tem uns 500 hectares. Nós vive de cortar seringa, coletar castanha e das 60 cabeças de gado.

Mas o governo boliviano, com a ajuda de US$ 10,2 milhões do governo brasileiro, pode transferir as famílias para uma área distante da fronteira.
Eu não quero isso de jeito nenhum. Não dá pra aceitar uma coisa dessas. Como eu vou levar todas as benfeitorias? Como vou levar minha casa? Gastei R$ 7 mil para construir ela toda de madeira. Aqui, que é perto, os bolivianos já estão fazendo essa questão toda. Imagina o que vão fazer com a gente num lugar mais distante.

Quanto vale a sua propriedade?
Ela vale uns R$ 30 mil. Tem casa de madeira, coberta de telha, curral e paiol novo. Trabalhei muitos anos para ter esse patrimônio e não posso perder tudo de uma vez. Isso não é justo de jeito nenhum.

O que o senhor acha do acordo dos presidentes Lula e Evo Morales?
Está errado demais. O Lula deveria ter dado dinheiro pra indenizar a gente. Se os bolivianos chegassem e perguntassem quanto custa a minha propriedade, eu diria que vale R$ 30 mil. Se eles me oferecessem a metade do valor eu aceitaria sair numa boa. Agora sair de mãos abanando de jeito nenhum. Isso não é justo.

O que fazer então?
A Bolívia não vai ficar com isso de graça, não. Tem muito brasileiro revoltado com essa situação. Eu não vou deixar nada lá. Eu não quero ir para um lugar qualquer que eles vão oferecer. Eu prefiro tocar fogo na minha casa. Toco fogo em tudo e venho embora pra recomeçar a vida.

O senhor tem coragem de fazer isso mesmo?
Tenho, sim. Eu não tenho condição de gastar o que não tenho. Eu gastei, por exemplo, R$ 7 mil para construir minha casa. Eu não vou deixar ela na chave para um boliviano chegar e se apossar dela.

Tem mais gente pensando assim?
Tem gente com pensamento pior do que o meu.

Como assim?
Tem muita família de brasileiros pensando em fazer besteira com os bolivianos. Tem gente que tá pensando em ficar lá e matar esses caras. Quando estão no Brasil, os bolivianos parecem santos, mas lá são muito desumanos. Nesta semana mesmo eu vi eles tomando borracha. Um seringueiro vinha descendo o rio numa canoa e eles foram lá e tomaram a borracha. Chefe, eu pelo menos tenho uma partezinha aqui no Brasil, mas muitos tudo o que tem tá jogado lá dentro da Bolívia. Como é que alguém assim vai sair com uma mão no fecho e outra no cano, sem ter para onde ir nem onde ficar? Nenhum de nós vai mais pra dentro da Bolívia, ninguém quer isso.

PARLAMENTARES ACIONAM AUTORIDADES

Os deputados Fernando Melo (PT), presidente da Frente Parlamentar Brasil – Bolívia e Moisés Diniz (PCdoB), líder do governo na Assembléia Legislativa, estão coordenando uma agenda política a favor dos brasileiros que vivem na Bolívia.

No dia 4 de agosto o deputado Fernando Melo se encontra com o Secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, e com o embaixador Eduardo Gradiloni, Diretor do Departamento de Comunidades Brasileiras no Exterior.

Posteriormente, no dia 13 de agosto, Fernando Melo e Moisés Diniz se encontram com a Encarregada de Negócios da Bolívia no Brasil, Cristina Linalle de Aparício. O objetivo das reuniões é levar o governo brasileiro a negociar a permanência dos brasileiros na Bolívia.

- A luta principal é pela permanência dos brasileiros na Bolívia. O resultado de toda uma vida de trabalho está investido lá. A transferência dos brasileiros para terras daqui ainda não está na agenda - afirma Diniz.

Além de parlamentares, a frente pretende incorporar instituições do poder executivo, do judiciário e da sociedade civil.

- Sob o comando da Assembléia Legislativa, nós vamos criar um movimento amplo no Acre de defesa dos brasileiros que vivem e trabalham na Bolívia - afirmou Melo.

Moisés Diniz informou que a Frente Acre–Pando e toda a luta a favor dos brasileiros que vivem na Bolívia será ampla, envolvendo inclusive parlamentares da oposição.

- Uma luta dessa magnitude não pode dispensar ninguém. Os brasileiros que vivem e trabalham na Bolívia são acreanos e o Acre por inteiro precisa organizar a solidariedade e a luta - acrescentou Diniz.

Eleição
De acordo com a imprensa boliviana, Evo Morales quer utilizar a reforma agrária para tentar modificar a tendência eleitoral de Pando, onde candidatos opositores sempre venceram.

Os oposicionistas afirmam que Morales vai transferir para Pando apenas os militantes do “Movimento Rumo ao Socialismo”,  grupo político que dá sustentação ao presidente. As eleições gerais ocorrerão no dia 6 de dezembro

Em setembro, conflitos em Pando resultaram no massacre de dezenas de camponeses favoráveis ao presidente por opositores liderados pelo governador do departamento, Leopoldo Fernandes, que foi deposto e permanece preso em La Paz.

Segundo a mídia boliviana, opositores do governo começam a se articular para barrar o deslocamento de camponeses favoráveis a Morales. Manifestações de repúdio já estão sendo realizadas no país. Assim como ocorreu em Pando, famílias brasileiras de posseiros e fazendeiros podem se juntar aos opositores do governo.
 

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