É ético prometer a cura?
É verdade que as ciências médicas evoluíram em uma velocidade vertiginosa nas últimas décadas, principalmente em razão da biotecnologia que engendrou uma série de recursos capazes de possibilitar ao profissional a análise de regiões, órgãos e cavidades do corpo humano com precisão antes jamais imaginada.
Partindo dessa premissa naturalística, o Direito tratou de adequar suas normas à limitada realidade humana, considerando, salvo raras exceções, a atividade médica como uma obrigação de meio.
O esforço da comunidade científica no desenvolvimento das técnicas de reconstrução baseada nos estudos das células-tronco, apesar de monumental, com potencial extraordinário, não é capaz (e talvez jamais o será) de tirar a falibilidade da Medicina, como pensaram alguns, inclusive importantes sociedades médicas mundo afora, com a descoberta da penicilina pelo médico e bacteriologista escocês Alexander Fleming, na primeira metade do século passado, ao declararem que ninguém morreria mais de infecção.
Partindo dessa premissa naturalística, o Direito tratou de adequar suas normas à limitada realidade humana, considerando, salvo raras exceções, a atividade médica como uma obrigação de meio.
Assim, quando o paciente contrata os serviços médicos não faz parte do objeto da avença a cura de sua doença, mas a conduta conscienciosa do profissional, baseada nas regras e técnicas consolidadas e reconhecidas pela comunidade científica.
Apesar de o Código de Ética Médica (CEM) não dispor expressamente que o profissional não pode garantir a cura a seu paciente, vários de seus dispositivos, de forma obliqua, vedam essa conduta, proibindo, inclusive, que o mesmo condicione o valor dos honorários ao resultado do tratamento. (art. 62)
Recepcionada pelo CEM, portanto, ainda em vigor, a Resolução nº 1.621/2001, do Conselho Federal de Medicina (CFM), em seu artigo 3º, determina que tanto na cirurgia plástica, como em qualquer especialidade médica, não se pode prometer resultados ou garantir o sucesso do tratamento, devendo o profissional informar ao paciente, de forma clara, os benefícios e riscos do procedimento.
Não obstante a obviedade das assertivas acima expostas, ainda é possível encontrar incautos profissionais que, além de não esclarecer seus pacientes sobre os riscos do procedimento, ainda prometem a cura.
Foi-se o tempo que do médico se exigia apenas a precisão técnica. O processo de humanização da medicina impôs ao profissional a adequação de sua conduta ao novo contexto jurídico-social.
A ordem vigente exige que o facultativo esclareça o seu paciente de forma tal, que o torne capaz de exercer sua autonomia com plenitude, sem vícios de consciência.
Salvo se for capaz de causar dano ao paciente, o esclarecimento há de ser fiel aos fatos e à realidade, sob pena de ofensa (também) ao princípio da boa-fé objetiva, um dos vetores jurídicos das relações contratuais.
Prometer a cura ao paciente é ferir os mais comezinhos deveres deontológicos da medicina.
Cândido Ocampo, advogado atuante no ramo do Direito Médico.
candidoofernandes@bol.com.br
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