Rondônia, 23 de novembro de 2024
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Eleições 2022 – Sou servidor público, tenho que sair do cargo público para ser candidato?

Em se tratando de eleições, a primeira pergunta que surge sobre o afastamento do trabalho de quem tem vínculo com o serviço público é a trazida no título deste artigo. Qual o motivo disso? Explico.

A razão é evitar que a proximidade funcional do futuro candidato com a Administração Pública venha a influenciar nas eleições, o que poderia causar desequilíbrio no pleito, ferindo o princípio da paridade de armas, uma vez que outros candidatos que não têm qualquer vínculo com poder público ficariam em desvantagem.

A Lei Complementar n. 64/90 (Lei das Inelegibilidades) prescreve que o servidor público deve afastar-se do cargo 3, 4 ou 6 meses antes das eleições, a depender do cargo, emprego ou função que ocupe e do cargo eletivo pretendido.

Já a Lei n. 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União) afirma que o afastamento do servidor efetivo deve ocorrer a partir do registro da candidatura. A mesma regra é adotada na maioria dos estatutos dos servidores dos Estados e Municípios do Brasil.

Com a edição da Lei n. 13.165/15, que alterou o art. 11 da Lei n. 9.504/97, especialmente em relação à data-limite para registro da candidatura (agora é 15/agosto do ano da eleição, pouco menos de 2 meses do primeiro turno das eleições), os prazos das LC n. 64/90 e Lei n. 8.112/90 passaram a não coincidir, principalmente para o servidor sujeito à regra de afastamento 3 meses antes do pleito.

A razão dessa discussão ocorre porque, no passado, o prazo para o registro da candidatura era até o dia 5/julho, via de consequência, os 3 meses antes das eleições orbitavam próximo desta data, a depender do dia da eleição em primeiro turno (variável, pois ocorre sempre no primeiro domingo de outubro). Porém, agora, o prazo para registro da candidatura passou a ser 15/agosto.

Nasceu um aparente conflito de normas, fruto da seguinte indagação: o servidor sujeito à regra de afastamento de 3 meses antes da eleição deve se afastar no mês de julho ou somente com o efetivo registro da candidatura (mês de agosto)?

Visando firmar a posição mais correta, em setembro/2016 o TSE respondeu a uma consulta (n. 68-82-2016.6.000000/DF) aplicando a regra da LC n. 64/90:

CONSULTA. SERVIDOR PÚBLICO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. PRAZO. LEI DE INELEGIBILIDADES. MINIRREFORMA ELEITORAL. ALTERAÇÃO. INAPLICABILIDADE.

1.A reforma eleitoral promovida pela Lei no 13.165/2015 não alterou os prazos de desincompatibilização para disputa de cargos eletivos constantes da LC no 64/90.

2.Consultas nos 68-821DF, 100-87/DF, 103-42/DE, 211 -71/DF, 212-56/DE e 227-25/DE respondidas nesses termos.
(TSE - Consulta n. 68-82, Acórdão, Relator (a) Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 171, Data 05/09/2016) (Destaquei)

Como se não bastasse, em de fevereiro/2020, o TSE reafirmou o entendimento:

 

CONSULTA. SERVIDOR PÚBLICO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO PARA FINS DE REGISTRO DE CANDIDATURA. PRAZOS. LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. REGRAMENTO APLICÁVEL. CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS. PERÍODO. LEI Nº 13.165/2015. AFASTAMENTO. TERMO A QUO. NÃO MODIFICAÇÃO. MATÉRIA ENFRENTADA EM CONSULTAS PRETÉRITAS. QUESTIONAMENTO. RENOVAÇÃO. DESCABIMENTO. REMUNERAÇÃO INTEGRAL. PERCEPÇÃO. DATA DE INÍCIO. ART. 86, § 2º, DA LEI Nº 8.112/90 (ESTATUTO DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL DA UNIÃO). ART.

1º, II, L, DA LC Nº 64/90. POSTERIOR DESISTÊNCIA E/OU NÃO EFETIVAÇÃO DO REGISTRO. ERÁRIO. RESTITUIÇÃO. NECESSIDADE. EQUACIONAMENTO. JUSTIÇA COMUM. NÃO CONHECIMENTO.

1. De início, por exercer o cargo de senador da República, é de se reconhecer a legitimidade do consulente (art. 23, XII, do CE).

I – DO PRIMEIRO QUESTIONAMENTO

2. O primeiro questionamento encontra–se formulado nos seguintes termos: "o afastamento previsto na Lei Complementar nº 64/90, art. 1º, II, l, pode ocorrer após a escolha em convenção, extrapolando o prazo estabelecido no artigo citado sem lhe causar inelegibilidade do servidor público que queira ser candidato?".

3. Idêntica indagação foi submetida na Consulta nº 68–82/DF, relatora a Ministra Luciana Lóssio, DJe de 5.9.2016, examinada conjuntamente com as Consultas nº 100–87/DF, 103–42/DF, 211–71/DF, 212–56/DF e 227–25/DF, ocasião em que este Tribunal deliberou no sentido de que "a reforma eleitoral promovida pela Lei n. 13.165/2015 não alterou os prazos de desincompatibilização para disputa de cargos eletivos constantes da LC n. 64/90".

4. Concluiu–se, assim, que a alteração do período de realização das convenções partidárias, promovida pela minirreforma eleitoral, não autoriza o servidor público a postergar a sua desincompatibilização em descompasso com a LC nº 64/90.

5. Essa exegese foi encampada por esta Corte nas eleições de 2016 (AgR–REspe nº 201–32/BA, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 3.11.2017) e de 2018 (AgR–RO nº 0600202–13/MA, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 13.11.2018).
[...]

(TSE - Consulta nº 060019041, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data 05/02/2020) (Destaquei)

Nesse contexto, o entendimento que prevalece é o da norma firmada na LC n. 64/90, isto é, o servidor está obrigado ao afastamento no prazo de 3 meses antes das eleições, independentemente da data fixada para o registro da candidatura.

O raciocínio adotado pelo TSE foi de que outras hipóteses de inelegibilidades, diversas das já expressas na Constituição, deverão vir numa Lei Complementar específica sobre o tema, conforme expressa disposição do §9º do art. 14 da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Art. 14. […]
[…]

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Destaquei)

 

Nesse compasso, como foi a Lei Complementar n. 64/90 que trouxe as regras de inelegibilidades, esta deve se sobrepor a qualquer outra lei ordinária que fixe regra diversa acerca de desincompatibilização.

Consoante acima mencionado, a Lei das Inelegibilidades determina que o afastamento das atividades vinculadas ao servidor público pode se dar 3, 4 ou 6 meses antes do pleito.

Para facilitar a compreensão, elaboramos um quadro-resumo com prazos de desincompatibilização das principais ocupações no serviço público para fins de candidatura aos cargos em disputa nas Eleições de 2022, tendo parâmetro o primeiro turno, que ocorrerá no dia 2 de outubro de 2022.

Vejamos:

Obs.: A relação completa está disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/desincompatibilizacao/desincompatibilizacao

Destaca-se que se o servidor acumula legalmente mais de um cargo, emprego ou função pública, nos termos do inciso XVI e XVII do art. 37 da CF/88 [1], devem ser observadas as regras de afastamentos para cada caso, conforme as peculiaridades da ocupação.

Ademais, se servidor ocupa um cargo ou emprego efetivo (concursado), ele continuará recebendo seus vencimentos durante o período do afastamento. O mesmo não se aplica ao que exerce cargo em comissão ou função comissionada, que deverá ser afastado dessas atividades sem percepção da gratificação.

No caso da licença concedida ao servidor efetivo, este deve apresentar o comprovante do efetivo deferimento do registro de candidatura e participação no pleito para convalidar o afastamento remunerado, conforme jurisprudência do TSE:

“Inelegibilidade de servidores públicos em exercício (Lei Complementar no 64/90, art. 1o, II, l) [...]: incidência nos pleitos municipais e regime de desincompatibilização. Regime de exclusão: rerratificação das resoluções nos 17.964 e 17.966, de 26.3.92. [...] I, c – O servidor afastado para o fim do item 2, supra, tem direito à remuneração integral por todo o tempo de afastamento exigido. I, d – A administração poderá subordinar a continuidade do afastamento remunerado, à prova, no termo do prazo respectivo, do pedido de registro da candidatura; definitivamente indeferido o registro, cessa o direito ao afastamento. I, e – Não se aplica aos titulares de cargos em comissão de livre exoneração o direito ao afastamento remunerado de seu exercício, nos termos do art. 1o, II, l, da LC no 64/90. [...]”
(TSE, Res. no 18019 na Cta nº 12499, de 2.4.92, rel. Min. Sepúlveda Pertence.) (Destaquei)

Lado outro, para fins de consolidação afastamento, a orientação do TSE é no sentido de que, ainda que ausente o requerimento formal de desincompatibilização, “o afastamento de fato das funções é suficiente para elidir a inelegibilidade” (AgR–REspe nº 102–98/RJ, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 27.9.2012) (RO nº 0600618–62/DF, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 30.10.2018). Este é também o entendimento firmado pela jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia:

Recurso Eleitoral. Registro de candidatura. Juntada de documentos. Fase recursal. Instância ordinária. Possibilidade. Requerimento protocolado. Certidão. Fé pública. Prova documental. Desincompatibilização comprovada. Inexistência de prova em contrário. Deferimento registro. I – É admitida nos processos de registro de candidatura a apresentação de documentos até a instância ordinária quando da interposição de recurso. II – O pedido de afastamento protocolado pelo servidor corroborado por certidão oriunda da Administração, a qual se reveste de fé pública, são hábeis a comprovar a desincompatibilização para fins de registro de candidatura, notadamente quando ausente prova do exercício de função pública no período de três meses que antecedem as eleições. III – Recurso conhecido e provido. (TRE-RO – Recurso Eleitoral n. 0600093-80, Acórdão n. 209/2020, Relator Juiz Edson Bernardo Andrade Reis Neto, Data de Julgamento: 22/10/2020, Publicado em sessão) (Destaquei)

Eleições. Recurso Eleitoral. Requerimento de Registro de Candidatura (RRC). Cargo de Vereador. Servidor Público. Desincompatibilização. Afastamento de fato. Comprovação. Deferimento do pedido. Recurso conhecido e provido. I — O prazo para desincompatibilização do exercício de cargo público de servidor da administração pública direta e indireta, para concorrer à eleição de vereador, é de três meses antes do pleito, nos termos do art. 1º, inciso II, alínea “L”, da LC 64/90. II — A comprovação do afastamento de fato do exercício de funções públicas é bastante para ilidir a inelegibilidade. Precedentes do TSE. (TRE-RO – Recurso Eleitoral n. 0600057-57, Acórdão n. 241/2020, Relator Juiz João Luiz Rolim Sampaio, Data de Julgamento: 27/10/2020, Publicado em sessão) (Destaquei)

Por fim, como se observa, as regras relativas à desincompatibilização visam, na sua essência, evitar abusos na disputa, com o afastamento do potencial uso da influência pessoal como servidor público ou até mesmo do aparato estatal nas campanhas eleitorais.

* Edirlei Souza é rondoniense, professor, graduado em Direito, pós-graduado em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral e em Comunicação Pública, e servidor público federal.


[1] Art. 37, XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; e  XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; 

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