Foro e laudêmio relíquia jurídica e sua extinção em Porto Velho
Segundo notícias veiculadas na imprensa local, a Superintendência Regional da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) pretende cobrar taxa de habitação de uma determinada área na região próxima ao Rio Madeira, dentro da zona urbana de Porto Velho. Informações prestadas pelo Superintendente-Adjunto da SPU dão conta que a base de cálculo para tal cobrança é uma tabela elaborada por empresa privada contratada pelo município de Porto Velho. A área, segundo o órgão, consiste em um retângulo que vem do Rio Madeira até a lateral da Av. Presidente Dutra.
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré representou interesse da União Federal que tinha se obrigado a construí-la como compensação do recebimento das terras da Bolívia, partindo daí a formação do Território do Acre, como resultado do Tratado de Petrópolis, no qual o Brasil foi representado pelo Barão do Rio Branco. O custo da construção foi financiado por empresas estrangeiras e a União se beneficiou com a passagem da produção da Bolívia e do Peru até o Atlântico, principalmente com os vastos carregamentos de látex, matéria prima que serviu a indústria automobilística americana, principalmente a Ford, assim como foi utilizada pelos aliados na Segunda Guerra Mundial com o sacrifício de milhares de brasileiros da Amazônia, os chamados soldados da borracha.
Tudo isto deve ser levado em conta. As áreas próximas ao Rio Madeira foram as primeiras a serem ocupadas, constituindo-se de algumas construções quase centenárias onde Porto Velho nasceu. Ao invés de reconhecer o esforço destes brasileiros, fazendo-se a regularização fundiária, a União agora vem a público pretendendo cobrar foros e laudêmios, com a concreta possibilidade de os ocupantes verem seus investimentos, fruto de muito trabalho, serem ameaçados.
Durante o período do Território Federal do Guaporé, criado em 13 de setembro de 1943, no Governo Getúlio Vargas, a capital foi Porto Velho, com os prefeitos nomeados e os imóveis ocupados entre a Avenida Presidente Dutra e o Rio Madeira já estavam consolidados desde a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, portanto, há quase 100 anos. Destaca-se o pátio, a estação e barracões onde se iniciava propriamente a estrada de ferro que ligava até Guajará-Mirin, as casas dos empregados, o prédio da administração e o conjunto de casas no Bairro Caiari. Na continuidade áreas da aeronáutica como o aeroporto e terminal, o estádio Aloísio Ferreira e centenas de outras construções particulares consentidas e aceitas durante quase um século.
O território e aqueles que construíram o sonho de progredir com a estrada de ferro Madeira Mamoré acreditaram que no futuro seriam recompensados por seus pioneirismos, investiram seus suados recursos financeiras na construção de suas residências e outros pequenos comércios, fixando-se definitivamente no território. Formaram famílias, muitos trabalharam e seus sonhos se realizaram com o desenvolvimento de Porto Velho, sempre na expectativa de receberem com honras seus títulos definitivos.
A Estrada de Ferro Madeira Mamoré foi desativada em 1972 e restou um amontoado de sucatas e desprezo pelo patrimônio mais valioso e épico da Amazônia. O povo brasileiro perdeu traços históricos desta brilhante epopéia nos confins do Guaporé. A maior culpa desta perda irrecuperável é do próprio Governo Federal que não conservou o acervo cultural construído com capital Inglês e Americano, sendo que a empresa construtora recebeu do Governo brasileiro terras à margem direita do rio Madeira, partindo de Guajará-Mirim até Porto Velho, com uma extensão de 300 km. Grande parte da rodovia BR 364, sentido Rio Branco, foi construída no mesmo trajeto da estrada de ferro.
A Lei Complementar 41, que criou o Estado de Rondônia, em seu artigo 15 transferiu a posse e o domínio dos imóveis que pertenciam ao território e os utilizados pela administração.
Ainda em tempos de Território, o Município de Porto Velho expediu várias Cartas de Aforamento para particulares, ocupações que foram posteriormente convalidadas. Assim nasceram vários bairros da Capital. O maior deles, na entrada da cidade, veio da área da fazenda do Sr. José Benedito, de quem fui procurador judicial quando foi firmado um termo de acordo com o Município pelo qual parte do imóvel foi legitimada para o proprietário e a área maior foi transferida para o Município que, posteriormente, a Prefeitura outorgou títulos definitivos para milhares de famílias que hoje habitam os bairros JK, Tancredo Neves e outros.
O Bairro Agenor de Carvalho resultou de uma carta de aforamento, assim como Flodoaldo Pontes Pinto, Cidade do Lobo, etc. A expansão da Capital forçou a municipalidade a encontrar meios jurídicos adequados para fazer o assentamento de várias famílias que hoje recolhem seus tributos e tem suas escrituras definitivas, possibilitando assim financiamentos bancários.
Não é justo que continuemos pagando foro anual e recolhendo 5% sobre o valor de todas as transferências destes imóveis como agora pretende a União cobrar dos atuais ocupantes, a maioria com títulos de domínio devidamente registrados. É pagar à União o dobro do ITBI recolhido aos cofres do município nas transações de transferência de domínio.
Os resquícios de território ainda persistem e devem continuar até que as autoridades locais resolvam por inteiro esta questão, possibilitando que os moradores de Porto Velho atingidos por tal situação tenham sua moradia assegurada definitivamente, lembrando que no início da formação desta região, antes da criação do território, as terras pertenciam ao Estado do Amazonas e Mato Grosso.
A criação do Território do Guaporé só foi possível graças a brasileiros de várias partes do Brasil que para cá vieram e com muito sacrifício enfrentaram animais selvagens, doenças tropicais, clima quente e úmido, com suas tralhas nas costas, esposa e filhos, dormindo em choupanas e se alimentando com o que era possível, sem assistência médica e nenhum recurso. Estes sim foram os desbravadores e pioneiristas que possibilitaram a construção de um Estado pujante, do qual todos nos orgulhamos. Não houvesse o sacrifício desses brasileiros, certamente ainda estaríamos em um estado nativo. A pergunta que se faz é: o que valeriam as terras que ainda se encontram em nome da União se não fosse a presença de milhões de brasileiros que consolidaram novas fronteiras?
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré representou interesse da União Federal que tinha se obrigado a construí-la como compensação do recebimento das terras da Bolívia, partindo daí a formação do Território do Acre, como resultado do Tratado de Petrópolis, no qual o Brasil foi representado pelo Barão do Rio Branco. O custo da construção foi financiado por empresas estrangeiras e a União se beneficiou com a passagem da produção da Bolívia e do Peru até o Atlântico, principalmente com os vastos carregamentos de látex, matéria prima que serviu a indústria automobilística americana, principalmente a Ford, assim como foi utilizada pelos aliados na Segunda Guerra Mundial com o sacrifício de milhares de brasileiros da Amazônia, os chamados soldados da borracha.
Tudo isto deve ser levado em conta. As áreas próximas ao Rio Madeira foram as primeiras a serem ocupadas, constituindo-se de algumas construções quase centenárias onde Porto Velho nasceu. Ao invés de reconhecer o esforço destes brasileiros, fazendo-se a regularização fundiária, a União agora vem a público pretendendo cobrar foros e laudêmios, com a concreta possibilidade de os ocupantes verem seus investimentos, fruto de muito trabalho, serem ameaçados.
Durante o período do Território Federal do Guaporé, criado em 13 de setembro de 1943, no Governo Getúlio Vargas, a capital foi Porto Velho, com os prefeitos nomeados e os imóveis ocupados entre a Avenida Presidente Dutra e o Rio Madeira já estavam consolidados desde a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, portanto, há quase 100 anos. Destaca-se o pátio, a estação e barracões onde se iniciava propriamente a estrada de ferro que ligava até Guajará-Mirin, as casas dos empregados, o prédio da administração e o conjunto de casas no Bairro Caiari. Na continuidade áreas da aeronáutica como o aeroporto e terminal, o estádio Aloísio Ferreira e centenas de outras construções particulares consentidas e aceitas durante quase um século.
O território e aqueles que construíram o sonho de progredir com a estrada de ferro Madeira Mamoré acreditaram que no futuro seriam recompensados por seus pioneirismos, investiram seus suados recursos financeiras na construção de suas residências e outros pequenos comércios, fixando-se definitivamente no território. Formaram famílias, muitos trabalharam e seus sonhos se realizaram com o desenvolvimento de Porto Velho, sempre na expectativa de receberem com honras seus títulos definitivos.
A Estrada de Ferro Madeira Mamoré foi desativada em 1972 e restou um amontoado de sucatas e desprezo pelo patrimônio mais valioso e épico da Amazônia. O povo brasileiro perdeu traços históricos desta brilhante epopéia nos confins do Guaporé. A maior culpa desta perda irrecuperável é do próprio Governo Federal que não conservou o acervo cultural construído com capital Inglês e Americano, sendo que a empresa construtora recebeu do Governo brasileiro terras à margem direita do rio Madeira, partindo de Guajará-Mirim até Porto Velho, com uma extensão de 300 km. Grande parte da rodovia BR 364, sentido Rio Branco, foi construída no mesmo trajeto da estrada de ferro.
A Lei Complementar 41, que criou o Estado de Rondônia, em seu artigo 15 transferiu a posse e o domínio dos imóveis que pertenciam ao território e os utilizados pela administração.
A União transferiu por doação a área urbana da Capital, estabelecendo para o Município a obrigação de fazer a regularização fundiária dos lotes urbanos nas posses comprovadas e consolidadas, o que foi feito. Laudêmios e foros deixaram de existir, através de lei municipal, possibilitando que a grande maioria da população finalmente fosse proprietária de seu bem patrimonial, tornando seguras e legítimas as áreas ocupadas.
A União, durante estes quase cem anos, foi omissa com as questões envolvendo as terras urbanas de Porto Velho, certamente porque se situa nos rincões da Amazônia e próxima a aldeias indígenas. Só despertou interesse em se fazer presente agora, passado quase um século, quando através do SPU vem exigir direitos na condição de enfiteuta, surgindo a necessidade de comprovação de que os imóveis registrados como propriedade da União encontram-se em regime de enfiteuse no cartório de registro de imóveis na comarca de Porto Velho, o aforamento é um instituto de direito e sempre oneroso e contratual entre as partes, sem contrato não existe aforamento.
No nosso ordenamento jurídico a enfiteuse nasceu com o Código Civil de 1916, art. 678 a 649, mediante autorização legislativa, fato que levou o saudoso jurista Pontes de Miranda a dizer que a enfiteuse é um câncer da economia nacional, amparando as exigências dos poderosos.
A enfiteuse é instituída sobre bens públicos e particulares. Os bens públicos da União Federal são regidos por uma legislação especial. Os bens particulares são regidos pelo Código Civil. Existe uma discrepância percentual do laudêmio entre o público e o privado, sendo que, incide percentual de 5% sobre o valor atualizado do domínio pleno dos terrenos em áreas da União e 2,5% sobre o valor de transação em áreas privadas.
Ainda bem que é um instituto em extinção e deve ser dado fim a esta relíquia jurídica que não cabe mais nos tempos atuais, basta de senhorios ou cobradores e exploradores de terras. A União não é um órgão imobiliário que explora aqueles que ocupam áreas regulares, pública e notoriamente, em posses consolidadas. Da mesma forma como a reforma agrária na zona rural, as áreas urbanas devem pertencer àqueles que a ocupam de forma mansa e pacífica.
Ainda bem que a Constituição de 1988 abriu as portas para a extinção da enfiteuse, conforme art. 49 das disposições transitórias.
No atual Código Civil, de 11 de janeiro de 2003, a enfiteuse deixou de ser disciplinada, sendo substituída pelo direito de superfície - art. 2038. Ficou proibida a constituição de novas enfiteuses até sua completa extinção.
Tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei Federal 6.960/2002, que acrescenta um parágrafo ao art. 2.038 do Código Civil definindo o prazo peremptório de dez anos para a regularização das enfiteuses existentes e pagamentos de foros. Decorrido este período todas as enfiteuses que se encontram regularmente inscritas serão declaradas extintas, tornando-se propriedade privada. Vingando a aprovação da lei que está em fase adiantada, as enfiteuses deixarão de existir no Território Nacional no prazo de anos, a contar da vigência do atual Código Civil, que é de 1º de janeiro de 2.003.
Deve ser registrado que a área urbana de Porto Velho, na grande maioria, é ocupada pelos órgãos administrativos da União. Assim o 5º BEC está encravado em extensa área central (Cujubim) e na região de Santo Antônio que é pertencente ao Exército Brasileiro. Ocupa também uma área extensa defronte a Rua Carlos Gomes, bem no centro e próximo à Catedral e na Rua Pinheiro Machado com a Rua João Goulart no bairro São Cristovão. Da mesma forma a Marinha possui suas áreas nas imediações do Rio Madeira.
A Aeronáutica ocupa extensas áreas em Porto Velho, desde o antigo aeroporto em frente a rua Rogério Weber, onde atualmente foram construídas as residências oficiais dos militares e seu clube social, além da Base Aérea e Infraero, pista do aeroporto e terminal aeroportuário.
São legítimas estas ocupações que dão sustentação à infraestrutura e segurança nacional, assim como são úteis para os interesses da população. Apesar de que atualmente algumas dessas áreas, dado o seu elevado valor, poderiam ser objeto de permuta com empresas privadas por áreas construídas mais modernas em regiões fora do centro da Capital. Assim ocorreu, por exemplo, em Curitiba, no Paraná, aonde uma empresa privada recebeu uma área central pertencente ao Exército para construção do Shopping Curitiba (inclusive com obrigação de manter a fachada histórica), entregando, e repassou, em permuta, uma área fora do centro com instalações modernas especialmente construídas para uso do Exército.
A necessidade de expansão da área urbana é permanente, ainda mais nos dias atuais. E estas questões servem para fazermos uma melhor reflexão quanto à pretensão da União Federal, que a princípio apresenta-se como legítima. Todavia, deve haver cuidado e respeito com a história e os fatos que ensejaram a consolidação da nossa Capital, resultado da presença e trabalho de homens e mulheres que para cá vieram e bravamente construíram suas vidas, formando suas famílias.
Agora, passados estes quase cem anos, exigir dos titulares de posses consolidadas a obrigação de pagar pesados foros e laudêmios, não parece fazer justiças a tais brasileiros. Com a palavra as autoridades do Estado - Prefeitura, Câmara de Vereadores, Assembléia Legislativa, Governo do Estado, Deputados Federais e Senadores da República. Todos tem o dever de se engajar. Há que se criar Comissões Especiais para que definitivamente as terras do Estado sejam transferidas e as áreas urbanas tenham urgente regularização fundiária, fazendo desaparecer a insegurança jurídica em relação a seus imóveis, além da obrigação de pagar foro e laudêmio para a União, quando estes recursos representam quase nada para o Tesouro Nacional.
Tenho absoluta certeza que ao tiverem pleno conhecimento destes fatos, as autoridades federais, em especial o Presidente Lula designará uma Comissão Especial para elaborar estudo mais aprofundado destas questões que deságuam na transferência destas áreas para o Município de Porto Velho, através de doação, com a obrigação expressa de transferir definitivamente o domínio aos que comprovem em processo regular as posses consolidadas, a maioria por quase um século.
É chegado o momento de completar definitivamente a nossa emancipação política como Estado e com autonomia gerirmos nossas terras com pleno direito da garantia jurídica, fruto do nosso esforço e do nosso trabalho, com reconhecimento e respeito, principalmente, aos desbravadores e pioneiros.
Que a União utilize seus extensos imóveis na Capital na execução de suas atividades em Porto Velho, necessárias para a segurança do País e defesa do interesse da população em geral. Mas que reconheça o direito daqueles que contribuíram para a criação do Território e do Estado, titulando em definitivo as áreas urbanas por eles ocupadas, a maioria há quase um século.
A manutenção de grandes extensões de terras do Poder Público nos grandes centros urbanos acaba comprometendo o efetivo desenvolvimento local, pois inibem o crescimento de muitos setores vitais para o desenvolvimento do comércio, da indústria, além de edificações residenciais. O momento atual exige a mobilização de todos para que o crescimento de Porto Velho se consolide respeitando-se aqueles pioneiros cuja presença e trabalho constante contribuíram para a evolução da Cidade, inclusive no que se refere à valorização de seu setor imobiliário.
O autor é advogado
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