Rondônia, 22 de novembro de 2024
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Intenção e gesto

Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto (...)
Fado tropical - Chico Buarque / Ruy Guerra


Experimente, leitor, encontrar alguma pessoa que, declaradamente, admita ser a favor da corrupção. Não consegue, não é mesmo? É unanimidade no país. Todos são contra a corrupção, até mesmo corruptores, corruptíveis e corruptos. Não importa se apanhados com a boca na botija, com malas ou cuecas repletas, com poderio econômico incompatível com os rendimentos salariais ou amigos milionários espetacularmente generosos. A julgar pelas intenções declaradas, o Brasil é pleno de moralidade. O problema está nas ações. Ou gestos, como disseram Chico e Ruy Guerra.

A verdade é o tema impactou tão fortemente a realidade brasileira que foi, até naturalmente, incorporado discurso de quase todos os candidatos a cargos eletivos. Transformou-se em mérito curricular o que deveria ser obrigação. Destaca-se, como virtude, o fato do candidato possuir ficha limpa, como se quem não a possui pudesse candidatar-se assim mesmo. Enquanto isso, experiência política e competência administrativa passaram a figurar como demérito na permanente exposição dos titulares de cargos eleitorais à execração pública em nome do combate à corrupção. Não importa o que estabelecem a constituição e as leis. Pouco interessa o devido processo legal na absoluta sumariedade das condenações públicas dos delatados.

O efeito deletério disso tudo é o desequilíbrio imposto à titularidade de mandatos eletivos: os mais experientes são afastados em benefício dos “nomes novos”, muitos dos quais fundamentalistas, terraplanistas e criacionistas, para os quais o universo foi criado em sete dias há aproximadamente quatro mil anos. Assustador! O mais grave disso tudo é que fica a cada dia mais evidente a contaminação dos que se anunciam como expoentes do combate à corrupção no país pela corrupção que apregoam combater. Vídeos de trechos da delação de Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio do Rio, divulgados pelo “O Antagonista” mostram que procuradores da lava jato orientaram escandalosamente a produção do documento para atingir escritórios de advocacia, no maior ataque à advocacia já registrado no país.

Diz o site “Conjur” que “a ação dos procuradores deixa clara a estratégia do Ministério Público: prender, pressionar, "negociar" a delação até que ela atinja a quem os procuradores querem. Dirigir, criar uma narrativa, conseguir as manchetes que vão equivaler a uma condenação pela opinião pública. Com base apenas em delações, constrói-se um castelo de areia, fadado a desmoronar. Mas tudo bem, pois, quando isso acontecer, os objetivos já terão sido atingidos — e sempre se pode pôr no Supremo a culpa pela impunidade”.

Esse ataque à advocacia, que resultou no cumprimento de mais de 50 mandatos de busca e apreensão determinados pelo juiz Marcelo Bretas contra advogados e empresas com base em delação claramente forjada, conforme comprovam os vídeos, atinge também frontalmente o devido processo legal. E afronta a honorabilidade de todo o Ministério Público do país, além de atingir da mesma forma o poder judiciário. Apesar do contorcionismo aplicado à denúncia, na qual o filho de um ministro do STJ é acusado de comprar sentença, não haveria como evitar que o caso passasse a ser da alçada do Supremo, já que se uma sentença não pode ser comprada sem haver quem a venda. Da mesma forma, Bretas não poderia ser o juiz do caso, pois a Fecomércio e o Sistema “S” deveriam ser julgados na Justiça Estadual, e não na Federal.

O juiz Marcelo Bretas aceitou ainda a denúncia contra 26 pessoas, também baseado na delação, que produziu erros primários inclusive na imputação de crimes, já que os empregados no Sistema “S” não podem ser acusados de peculato ou corrupção, pois não são funcionários públicos. De qualquer forma, Orlando Dinis, que já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo desde 2018, segundo a revista época, conseguiu finalmente ver homologada sua delação, à custa dessa gigantesca corrupção do que estabelece a lei. Em troca, ganhou a liberdade e o direito de ficar com U$D 1 milhão depositados no exterior.

Assista aos vídeos em https://www.conjur.com.br/2020-set-15/procuradores-dirigiram-delacao-orlando-diniz-mostram-videos

*Andrey Cavalcante. Advogado. Conselheiro Federal da OAB. Ex-Presidente da OAB/RO, 2013-2015, 2016/2018.

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