Rondônia, 23 de novembro de 2024
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Juiz revoga portaria que disciplinava trajes para entrada no fórum no Acre

Durou apenas 20 dias a portaria do juiz de direito substituto José Wagner Pedrosa, da comarca de Mâncio Lima (AC), cujo parágrafo único considerava bermudas, shorts, calções, camisetas regatas, minissaias, miniblusas ou trajes semelhantes como inadequados para a frequência de pessoas no fórum da cidade.

Pressionado pelo Ministério Público Estadual, magistrados e a opinião pública, o juiz revogou nesta quarta-feira a polêmica portaria que disciplinava os trajes para ter acesso ao fórum de uma das cidades mais pobres da Amazônia. A partir de hoje, a população de Mâncio Lima não terá que ser submetida à triagem que era feita por um sargento do Exército.

- As pessoas têm que parar com essa mania de achar que os aspectos culturais podem ser separados das questões de comportamento. Um exemplo disso: se alguém tentar entrar de cueca no fórum, garanto que todos vão achar errado, porque culturalmente achamos isso errado. Não existe nenhuma lei que proíba - disse juiz ao Blog da Amazônia.

Ao revogar a portaria, o magistrado justificou sua decisão por conta da repercussão negativa gerada pela medida, mas preferia que o ato tivesse permanecido secreto.

- As pessoas passaram a comparecer bem vestidas ao fórum depois da portaria. Aliás, eu até pedi para que não fosse feita a divulgação da revogação para que elas continuassem vindo bem vestidas. Elas vinham ao fórum com qualquer roupa porque não tinham orientação - acrescentou.

Mâncio Lima está localizado a 617 quilômetros de Rio Branco, a capital, na região mais ocidental do país, às margens do Rio Moa. Possui 13,7 mil habitantes, com baixa densidade demográfica - 2,50 hab/km. No município está o Parque Nacional da Serra do Divisor, na fronteira com o Peru.

O município concentra suas atividades produtivas na agricultura, sendo a macaxeira (mandioca) o principal produto, usado na fabricação da famosa “farinha de Cruzeiro do Sul”, conhecida em outras regiões por sua excelência.

No mês passado, o juiz resolveu que qualquer menor de 18 anos que for flagrado nas ruas da cidade, após as 23 horas, cometerá infração e deverá ser retirado das ruas. A decisão do Juiz considerou diversos aspectos do Estatuto da Criança e do Adolescente, conflitantes com os costumes do município.

Muitos menores passavam a madrugada nas ruas, em clubes ou bares. Segundo o juiz, a iniciativa visa complementar um papel de orientação que deve ser desempenhado pelas famílias, escolas, igreja e demais órgãos responsáveis.

Ao ser encontrados nas ruas, os menores são encaminhados aos pais mediante termo de responsabilidade. No caso de bares e clubes, mesmo acompanhados dos pais ou responsáveis, quando o local oferecer algum risco para a integridade moral, mental, física ou social, deverá ser feita intimação para que os menores sejam imediatamente retirados.

Nesta manhã, por telefone, antes de presidir um júri em Mâncio Lima, o juiz José Wagner Pedrosa conversou com a reportagem:

Blog da Amazônia -Por que o senhor tentou disciplinar trajes para entrada no fórum de Mâncio Lima?

José Wagner Pedrosa - Tentamos isso para resguardar o respeito à Justiça. Não é verdade o que andaram dizendo, que o acesso ao Judiciário estava sendo impedido pela portaria. Nós entendemos que o acesso ao Judiciário não significa acesso ao prédio, mas à Justiça como prestação juridicinal, ou seja, como prestação de serviço. O cidadão não precisa adentrar no fórum para ter acesso ao Judiciário. Uma outra questão é o seguinte: o respeito se demonstra sim pela roupa. A pessoa demonstra o estado de espírito dela pela forma como está vestida. Se vou para um banho, não visto terno e gravata. Se vou para um casamento, não vou de bermuda. Nesse sentido, quem vem ao fórum tem que demonstrar respeito e esse respeito é medido pela nossa cultura.

Como assim?

As pessoas têm que parar com essa mania de achar que os aspectos culturais podem ser separados das questões de comportamento. Um exemplo disso: se alguém tentar entrar de cueca no fórum, garanto que todos vão achar errado, porque culturalmente achamos isso errado. Não existe nenhuma lei que proíba.

Mas doutor, conheço Mâncio Lima. É uma cidade pequena, com muita gente pobre castigada pela malária. Não é exagerado se exigir determinada roupa para que a população possa ter acesso ao fórum da cidade?
Não há excesso. Eu sou do Nordeste, a região mais pobre do Brasil. Sou nordestino, pernambucano, do alto sertão. Sou de Afogado da Ingazeira. Tenho um primo que tem dia que só falta o que ele comer, mas não falta uma calça no guarda-roupa dele. Pode ter só uma, mas ele tem. Quem reclamou de minha portaria não foi o povo, quem reclamou foi gente de posição, que tem dinheiro, que tem condição de andar de calça e camisa social. As pessoas passaram a comparecer bem vestidas ao fórum depois da portaria. Aliás, eu até pedi para que não fosse feita a divulgação da revogação para que elas continuassem vindo bem vestidas. Elas vinham ao fórum com qualquer roupa porque não tinham orientação.

O senhor sempre comparece ao fórum de terno e gravata?

Sim, sempre. Faço questão. Mas a portaria não exigia que ninguém viesse de terno e gravata, de calça nova. A calça podia estar rasgada. Se a única calça que a pessoa possuía estava rasgada, ela podia vir. O que eu queria é que elas, quando entrassem aqui no fórum, mostrassem respeito. Uma mulher, por exemplo, que não tem uma saia longa deve repensar os seus conceitos. Elas compareciam com certas roupas que poderiam dar ensejo ao cometimento de um crime aqui dentro das dependências do fórum.

Se a portaria era tão positiva porque o senhor revogou?

Isso causou muita repercussão entre as pessoas instruídas, que têm meios de chegar à Corregedoria do Tribunal de Justiça. E isso causou uma polêmica tão grande que eu decidi não polemizar. Se a República brasileira dependia de uma portaria que buscava regulamentar o uso das roupas, salvei a República revogando a portaria.

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