Rondônia, 23 de novembro de 2024
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Lesão lícita e o exercício regular do direito

O Código Penal brasileiro em seu artigo 129 descreve o delito de lesão corporal como sendo uma ofensa a integridade física ou a saúde de outrem. O médico ao realizar um procedimento invasivo no paciente, a rigor, pratica uma lesão corporal. Daí o questionamento do porque, em regra, não há punição para tais condutas. No Brasil há poucos estudos jurídicos doutrinários a cerca do tema. Na verdade, há certo desleixo a respeito, sendo poucos os juristas que enfrentam a matéria com denodo e profundidade. Não obstante, no mundo jurídico, várias teorias sobre a matéria foram engendradas. Dentre as mais importantes, temos a chamada “teoria da atipicidade por ausência de dolo” que afirma que a conduta do médico no procedimento cirúrgico é atípica, ou seja, não se revela criminosa em razão da ausência do componente subjetivo, que é a vontade de causar lesão ao paciente, logo, não pode ser punida. Para essa corrente, como expõe o jurista Maurach, "a vontade de curar, própria dos médicos, é incompatível com o dolo de maus tratos, exigido nos crimes de lesão corporal”.



Em caso de iminente perigo de vida a autorização do paciente é dispensável, conforme dispõe o Código de Ética Médica (art. 56). Na legislação penal esta situação se enquadra no chamado “estado de necessidade”, que configura outra excludente de ilicitude (art. 23, I). Por preciosismo alguns doutrinadores fazem distinção entre as cirurgias com fins exclusivamente terapêuticos, ditas “normais”, e as de caráter voluptuárias. Por intervenções com fim terapêutico devem ser entendidas aquelas que perseguem a conservação ou o restabelecimento da saúde, a prevenção de um dano maior ou a atenuação da dor. Voluptuárias são as cirurgias de caráter meramente estéticas, de esterilização, transmutação sexual, etc. Aquelas, segundo esta corrente, são abrangidas pela chamada “atipicidade conglobante”, que retira o caráter criminoso da ação pelo fato de existirem outras normas no ordenamento jurídico que autorizam e recomendam a conduta. Estas (cirurgias voluptuárias) não são crimes em razão do consentimento do paciente, considerado como causa supralegal de exclusão da antijuridicidade, por não ter previsão expressa em lei. Entendemos que tal distinção é dispensável, restando incontroverso que independente do caráter e finalidade do procedimento cirúrgico, para ser enquadrado como exercício regular de direito, há que necessariamente ser realizado dentro dos ditames técnicos e deontológicos, por profissional habilitado e precedido de autorização do paciente, salvo nas emergências, quando então o ato não é considerado crime em razão do estado de necessidade, descriminante prevista em lei.

No entanto, é a teoria do “exercício regular de direito” a mais comumente aceita dentre os tratadistas brasileiros. Esta defende que o médico está exercendo um direito quando no procedimento cirúrgico lesiona o paciente. Tal teoria encontra arrimo legal na segunda parte do inciso III, do artigo 23 do Código Penal, que dispõe não haver crime quando o agente pratica o fato “no exercício regular de direito”. Trata-se de excludente de ilicitude. Ou seja, apesar de haver uma ação lesionadora, não há crime pelo fato de ter sido praticada no exercício legítimo de um direito. No entanto, a conduta para está albergada na excludente mencionada tem que necessariamente ser realizada por profissional devidamente habilitado e dentro dos limites da correção técnico-científica, e ter sido, quando possível, devidamente autorizada pelo paciente que é o senhor de seu destino. Procedimentos cirúrgicos não autorizados, ilegais ou fora dos parâmetros da correção técnica podem ser considerados lesões corporais culposas e até mesmo dolosas, dependendo de cada situação. Se houver morte, pode configurar homicídio.

Em caso de iminente perigo de vida a autorização do paciente é dispensável, conforme dispõe o Código de Ética Médica (art. 56). Na legislação penal esta situação se enquadra no chamado “estado de necessidade”, que configura outra excludente de ilicitude (art. 23, I). Por preciosismo alguns doutrinadores fazem distinção entre as cirurgias com fins exclusivamente terapêuticos, ditas “normais”, e as de caráter voluptuárias. Por intervenções com fim terapêutico devem ser entendidas aquelas que perseguem a conservação ou o restabelecimento da saúde, a prevenção de um dano maior ou a atenuação da dor. Voluptuárias são as cirurgias de caráter meramente estéticas, de esterilização, transmutação sexual, etc. Aquelas, segundo esta corrente, são abrangidas pela chamada “atipicidade conglobante”, que retira o caráter criminoso da ação pelo fato de existirem outras normas no ordenamento jurídico que autorizam e recomendam a conduta. Estas (cirurgias voluptuárias) não são crimes em razão do consentimento do paciente, considerado como causa supralegal de exclusão da antijuridicidade, por não ter previsão expressa em lei. Entendemos que tal distinção é dispensável, restando incontroverso que independente do caráter e finalidade do procedimento cirúrgico, para ser enquadrado como exercício regular de direito, há que necessariamente ser realizado dentro dos ditames técnicos e deontológicos, por profissional habilitado e precedido de autorização do paciente, salvo nas emergências, quando então o ato não é considerado crime em razão do estado de necessidade, descriminante prevista em lei.

Cândido Ocampo, advogado especialista em Direito Médico. candidoofernandes@bol.com.br

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