Rondônia, 23 de novembro de 2024
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MP vai privatizar o equivalente a quatro Bancos do Brasil

“Privatização de 67 mi de hectares da Amazônia equivale ao patrimônio de quase quatro Bancos do Brasil”.


Ela não escondeu uma certa mágoa quando numa recente vigília no Senado em defesa da Amazônia, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) olhou para ela da tribuna e anunciou que o presidente Lula havia pedido para ajudá-lo a resolver o problema da regularização fundiária no Brasil.

- Quando se fere uma jaguatirica, ela entra na sua toca para lamber as feridas. É o que fiz vindo para o Acre no Dia Internacional do Meio Ambiente - afirma a senadora em entrevista exclusiva ao Blog da Amazônia.

Ela não escondeu uma certa mágoa quando numa recente vigília no Senado em defesa da Amazônia, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) olhou para ela da tribuna e anunciou que o presidente Lula havia pedido para ajudá-lo a resolver o problema da regularização fundiária no Brasil.

- Já que eu não pude ajudá-lo nesse processo, quero pedir humildemente para que ele me ajude vetando os artigos que é possível vetar - apela resignada.

De acordo com Marina Silva, considerando-se apenas o valor da terra nua, os 67 milhões de hectares que serão privatizados equivalem a R$ 70 bilhões. Mini e pequenos produtores, com até 400 hectares, são 81,1 % do total de posseiros, que ficarão com 7,8 milhões de hectares e receberão patrimônio público no valor de R$ 8 bilhões.

Ainda de acordo com a ex-ministra do Meio Ambiente, médios produtores, com áreas de 400 a 1,5 mil hectares, são 12% do total, que ficarão com 8 milhões de hectares e receberão um patrimônio público no valor de R$ 8 bilhões. Os grandes produtores, com áreas acima de 1,5 mil hectares, são 6,9% do total e ficarão com 49 milhões de hectares, sendo premiados com um patrimônio público avaliado em R$ 54 bilhões.

- O patrimônio do Banco do Brasil é de R$ 18,4 bilhões. A privatização de 67 milhões de hectares da Amazônia equivale a distribuir o patrimônio público correspondente a quase quatro Bancos do Brasil. Esses 67 milhões de hectares correspondem às áreas da França e da Itália ou à área territorial dos estados de Minas Gerais e Santa Catarina juntos. Corresponde, ainda, à área de quatro estados do tamanho do Acre. O grave é que se pensou a vistoria dessa imensa área baseada apenas no critério de auto-declaração, isto é, qualquer um pode dizer: “Esta posse é minha e eu tenho direito sobre ela”.

Marina Silva disse que o presidente Lula viverá mais que um dilema nesta semana, quando esgota o prazo para sancionar ou vetar a MP 458: terá a oportunidade histórica de reparar um erro grave, ainda que seja um reparo parcial.

Leia os principais trechos da entrevista:

Blog da Amazônia - Por que preferiu o Acre no Dia Internacional do Meio Ambiente?
Marina Silva - Foi uma escolha muito acertada, para acompanhar a criação da estrutura do ICMS Verde pelo governador Binho Marques. É uma iniciativa que combina os aspectos sociais e ambientais quando estabelece foco em saúde e educação. É apenas crescimento e não desenvolvimento qualquer iniciativa que não signifique melhoria da saúde e da educação. Quando o Acre estabelece que os prefeitos a serem beneficiados terão que fazer os processos de certificação, que está no âmbito dos programas de valorização dos ativos ambientais, isto é muito bom.

A senhora se controlou várias vezes para não chorar, mas não escondeu a insatisfação com os rumos da política ambiental brasileira.
Ando insatisfeita com fatos como o que foi constatado em Santa Catarina, que fez um Código Florestal inconstitucional no Estado que mais destruiu Mata Atlântica, que teve mais catástrofes ambientais e agora serve de modelo para desconstituir o Código Florestal Brasileiro. No Acre, o que está sendo feito é um arranjo responsável.

A senhora é mesmo uma jaguatirica, conforme se declarou?
Quando se fere uma jaguatirica, ela entra na sua toca para lamber as feridas. É o que fiz vindo para o Acre no Dia Internacional do Meio Ambiente. Eu tive três momentos muito tristes na minha vida. Um foi quando, aos 14 anos de idade, perdi duas irmãs num intervalo de 15 dias, perdi meu tio, que era o melhor mateiro do seringal Bagaço. Ele era um xamã. Foi criado pelos índios do Madeira, em Rondônia, desde os 12 anos de idade, até os 30 anos de idade, quando um dia ele apareceu na casa do meu pai. Ele nunca se casou. Ele era mesmo o melhor mateiro do seringal Bagaço. Podia soltar ele em qualquer lugar da floresta que ele voltava pra casa. E meu tio dizia que eu era a sua herdeira. E eu tinha muito medo de ser herdeira dele porque ele fazia um ritual de ficar, a cada sete anos, 40 dias isolado na mata, sem nada. E quando ele voltava para casa estava muito magro e as pessoas diziam que ele se tornava invisível no mato. Eu tinha muito medo dessa herança e pedia pra Deus: “Meu Deus, eu não quero ser herdeira do tio Pedro Mendes”. Eu era pequenininha quando ele veio com esse papo para mim e eu pensava: “A onça vai me comer, não tenho como ficar 40 dias dormindo sozinha, sem nada, dentro da mata a cada sete anos”. Ele morreu 15 dias antes de minha mãe morrer, que morreu seis meses depois de minhas irmãs. Esses foram os momentos mais tristes de minha vida. Depois veio o assassinato de Chico Mendes. Foi um momento muito triste também. O terceiro momento mais triste foi quando aprovaram a Medida Provisória 458. Quando subi naquela tribuna, fiz um esforço muito grande pra não chorar. Deus me ajudou e eu consegui.

Por quê?
Porque eu vi esforço de tantos anos e comecei a pensar no que significou o nosso presidente Lula ter sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional por causa do assassinato, no Acre, do Wilson Pinheiro, que presidia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia. Porque eu fiquei pensando no que significou as lágrimas do presidente Lula no enterro de Chico Mendes, misturadas com a forte chuva que caía naquele dia em Xapuri. Porque fiquei pensando no assassinato do padre Josimo, de irmã Dorothy Stang. Porque fiquei pensando o que significa a luta de abnegados procuradores da República, juízes que a todo o tempo eu recebo informações de que não podem ficar sequer na varanda de suas casas porque estão ameaçados de morte. Porque pensei no significado das lutas das lideranças rurais, de sindicalistas, diante do que foi aprovado pelo plenário do Senado. O projeto de regularização fundiária, como disse o ex-governador acreano Jorge Viana, já é um problema em si, mas a forma como ele foi encaminhado para o Congresso Nacional era bem mais problemática. Se fosse para resolver o problema dos pequenos, como está sendo dito, bastava que se fizesse um corte de quatro módulos fiscais ou 400 hectares, o que corresponde a 88% das propriedades e ocuparia uma área de 67 milhões de hectares de apenas 11,5%. Com a ampliação, até 1,5 mil hectares, nós vamos fazer uma anomalia: os 88% de pequenos produtores ficarão com 11% desses 67 milhões de hectares.

A senhora pode explicar melhor esses números?
Considerando apenas o valor da terra nua, esses 67 milhões de hectares valem cerca de R$ 70 bilhões. Mini e pequenos produtores, com até 400 hectares, são 81,1 % do total de posseiros. Ele ficarão com 7,8 milhões de hectares. Receberão patrimônio público no valor de R$ 8 bilhões. Os médios produtores, com áreas de 400 a 1,5 mil hectares, são 12% do total. Eles ficarão com 8 milhões de hectares e receberão um patrimônio público no valor de R$ 8 bilhões. Os grandes produtores, com áreas acima de 1,5 mil hectares, são 6,9% do total e ficarão com 49 milhões de hectares, sendo premiados com um patrimônio público avaliado em R$ 54 bilhões.

A senhora chegou a comparar isso ao patrimônio do Banco do Brasil.
O patrimônio do Banco do Brasil é de R$ 18,4 bilhões. A privatização de 67 milhões de hectares da Amazônia equivale a distribuir o patrimônio público correspondente a quase quatro Bancos do Brasil. Esses 67 milhões de hectares correspondem às áreas da França e da Itália ou à área territorial dos estados de Minas Gerais e Santa Catarina juntos. Corresponde, ainda, à área de quatro estados do tamanho do Acre. O grave é que se pensou a vistoria dessa imensa área baseada apenas no critério de auto-declaração, isto é, qualquer um pode dizer: “Esta posse é minha e eu tenho direito sobre ela”. Mas para caracterizar uma posse mansa e pacífica, os critérios estão na Constituição e no Estatuto da Terra. Apresentei uma emenda para corrigir, para fazer o recorte até quatro módulos fiscais. O relator nem considerou. Apresentei uma outra emenda, para que não fosse dispensada a vistoria. Também não foi considerada. Apresentei a proposta que se criasse um conselho de acompanhamento. Pelo menos essa foi acolhida, mas na verdade eram oito as emendas que apresentei.

E como tudo isso aconteceu? Como o presidente Lula se comportou durante todo esse processo?

Os motivos dele não têm nada a ver com o que de fato aconteceu. Eu acredito que ele se mobilizou pelas coisas boas, que seria basicamente resolver o problema fundiário. Aliás, isso já estava no Plano de Combate ao Desmatamento, dentro do eixo Ordenamento Territorial e Fundiário. E nós dizíamos: para fazer a regularização fundiária tem que fazer o zoneamento ecológico-econômico. O Acre fez, Rondônia fez, o Pará está fazendo e o Mato Grosso está fazendo há 20 anos e eu não sei porque que não é aprovado pela Assembléia Legislativa. Mas o que está se fazendo com a Medida Provisória é nivelar a todos por baixo. É por isso que fico pensando, com todo respeito, nesses meninos do Ministério Público, pois são todos muito jovens. Penso em todos aqueles que um dia acreditaram que um dia poderia ser possível fazer diferente. Ao invés de passar no teste, a gente altera o teste. O teste era fazer na forma correta. No dia daquela vigília no Senado em defesa da Amazônia, a senadora Kátia Abreu disse, olhando para mim, que o presidente Lula havia pedido a ela que o ajudasse a resolver o problema da regularização fundiária no Brasil. Já que eu não pude ajudá-lo nesse processo, quero pedir humildemente para que ele me ajude vetando os artigos que é possível vetar.

Por que não é possível vetar tudo?
Algumas coisas eles fizeram de uma forma muito inteligente, o deputado Asdrúbal Bentes, que cuidou da questão fundiária desde a época da ditadura militar no Estado do Pará. O projeto original dizia que a pessoa só poderia vender a terra depois de 10 anos, fossem grandes ou pequenos produtores. Ele mudou: estabeleceu que os pequenos podem vender só depois de 10 anos, mas os grandes podem vender após três anos. Os que ficarão com a maior quantidade de terra, os que usaram de mais violência -não estou falando dos corretos- poderão vender as terras após três anos. Esse artigo está numa parte da lei que não pode ser vetado. Quem puder, envie e-mail ao presidente Lula. Peça com carinho e respeito, como eu pedi na carta que enviei: “Companheiro Lula, vete a Medida Provisória 458″. É assim que cada um tem que fazer. As coisas têm que ser feitas com amor. Todo o discurso que tem sido feito é em nome dos pequenos, mas quem vai se beneficiar mesmo são os grandes, aqueles com áreas acima de 1,5 mil hectares, que ficarão com 8 milhões de hectares e que receberão um patrimônio público equivalente a R$ 54 bilhões, que corresponde a quase quatro vezes o patrimônio do Banco do Brasil. O procurador federal no Para, doutor Felício Pontes, disse: “A MP 458 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar por terra 15 anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal no estado do Pará, n combate à grilagem de terras”. A situação na Amazônia é assustadora. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, de 1999 a 2008, foram mais de 5 mil conflitos envolvendo 2,7 milhões de pessoas; 253 assassinatos; 256 tentativas de assassinatos. Foram 1.377 pessoas ameaçadas de morte, a maioria lideranças rurais.

A senhora costuma dizer ao seu amigo Carlos Minc que deixou para ele uma boa marmita. Qual é o sabor dela hoje?
O sabor dela hoje é amargo por causa da Medida Provisória. No meu entendimento, deveria ter sido um projeto de lei e não uma Medida Provisória, para que a sociedade brasileira pudesse debater mais sobre algo tão importante. Mas existem outras tentativas tão amargas quanto essa. Daqui há alguns anos as pessoas vão começar a ver o impacto de tudo isso no país, particularmente na Amazônia. O que aconteceu é que os ministérios das Minas e Energia, Transportes e Agricultura estão se sobrepondo ao Ministério do Meio Ambiente. E agora existem alguns setores que querem fazer uma campanha de desqualificação do ministro Carlos Minc.

A pressão contra a gestão dele é mais firme do que foi contra a sua gestão?
Contra a minha gestão foi muito grave porque o que estava sendo feito era algo muito potente, como colocar 700 pessoas na cadeia.

Como a senhora explica, do ponto de vista político, o retrocesso?
Primeiro, houve um esforço muito grande para implementação da legislação. Barrar processos abertos, que estavam em curso há décadas, criou a expectativa de que isso fosse apenas fogo de palha. Não é à toa que durante cinco anos criou-se 4 milhões de hectares na frente de expansão predatória. Eliminamos verdadeiras redes de fraude. Existia, por exemplo, uma gráfica no estado de Goiás, que imprimia ATPF falsa com a mesma qualidade da que era impressa na Casa da Moeda. Todos esses esquemas criminosos foram desmontados e ainda se criou um sistema de monitoramento por satélite em tempo real. A cada 15 dias se tem uma fotografia da Amazônia inteira. A partir disso, a fiscalização vai a campo conferir o que está acontecendo. A partir disso, começou a surgir uma pressão muito grande para parar contra essas investidas.

Mas como se explica que o PT e o governo tenham permitido um retrocesso tão radical?
Contei com a solidariedade e o esforço da bancada. Eu diria que há, neste momento, uma força avassaladora de setores atrasados do agronegócio. Se nós não tivermos uma forte mobilização da opinião pública, esses setores vão avançar cada vez mais, passando por cima das conquistas da sociedade. Neste momento, existem cerca de 32 iniciativas de decreto legislativo que tentam revogar a defesa do meio ambiente e de reservas indígenas. Em lugar das pessoas trabalharem para recuperar a reserva legal elas estão querendo mudar o Código Florestal Brasileiro para diminuir a reserva legal. É um movimento que tenta desconstruir os avanços.

A senhora não teme que possa ter melindrado politicamente o presidente Lula ao ter enviado uma carta aberta? Com isso ele pode decidir não atender ao pedido de vetos à Medida Provisória.
Eu não tenho esse receio por causa da história que o presidente Lula tem. Ele não vai se ater a uma coisa mesquinha como essa. Ele vai avaliar o mérito e tentar reparar em parte o grande mal que é essa Medida Provisória. Eu espero, sinceramente, fazendo esse apelo ao homem público que ele é, à memória daqueles com os quais ele lutou junto, à contribuição que ele pode dar à história, que ele promova esse veto. É um apelo da bancada, do Partido dos Trabalhadores, e da maioria dos brasileiros. Ninguém pode se conformar em repassar um patrimônio público de R$ 70 bilhões àqueles que se apropriaram de terras públicas e daqui a três anos vão poder vender essas terras. Que pelos menos as pessoas jurídicas e as que têm prepostos não possam regularizar essas terras porque isto está na contramão da função social da terra.

Faltou empenho do Planalto para aprovar as mudanças que a senhora julga necessárias à Medida Provisória?
A política é a arte de tentar convencer. No plenário do Senado um grupo de senadores se esforçou e tivemos entendimento de um grupo de 20 senadores que queria aprovar as emendas. No meu entendimento, faltou esforço por parte do governo para tentar resolver o problema ali e não transferi-lo para o presidente. Agora está nas mãos do presidente Lula e com certeza ele vai olhar com muita responsabilidade.

O presidente está vivendo um dilema?
É mais que um dilema. É uma oportunidade histórica que tem para reparar um erro grave, ainda que seja um reparo parcial.

A senhora pretende procurar o presidente Lula para tentar convencê-lo pessoalmente?
Já fui até ao presidente Lula por meio da carta que enviei. Caso ele me convide, irei conversar, mas também, se for necessário, ainda posso tomar a iniciativa de procurá-lo pessoalmente.

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