Rondônia, 22 de novembro de 2024
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“Não existe um direito para queimar florestas” - Por Altino Machado

O procurador da República Anselmo Cordeiro Lopes, 27, deixou em xeque o “governo da floresta”, do Acre, ao coordenar uma ação civil pública na Justiça Federal para que seja negada totalmente, a partir de 2011, a expedição de autorizações para queima de florestas e pastagens em todo o território do Estado do Acre.


A ação propõe restrições crescentes. Elas iniciariam ainda neste ano, com a limitação das autorizações de queima a um hectare por propriedade, apenas para agricultura de subsistência. Progressivamente, a regra deve se tornar mais severa, até a proibição total, daqui a dois anos. O que os Ministérios Públicos querem é eliminar a cumplicidade do Estado com a prática criminosa do fogo.

- Não existe e nunca existiu um direito para queimar. Na verdade isso era uma liberalidade do poder público. Existe um direito a usar a propriedade, o que inclui, de acordo com o licenciamento, nos limites da lei, o direito de retirar a madeira e até a desmatar. Mas isso não quer dizer que o proprietário possa queimar. Hoje já existem métodos eficazes de limpeza para uso da área sem o instrumento do fogo - afirma o procurador.

A ação propõe restrições crescentes. Elas iniciariam ainda neste ano, com a limitação das autorizações de queima a um hectare por propriedade, apenas para agricultura de subsistência. Progressivamente, a regra deve se tornar mais severa, até a proibição total, daqui a dois anos. O que os Ministérios Públicos querem é eliminar a cumplicidade do Estado com a prática criminosa do fogo.

No entendimento do procurador, o Código Florestal prevê, desde 1965, a proibição do uso do fogo, e uma possibilidade de autorização excepcional do mesmo. A exceção deveria ser interpretada cada vez mais como uma exceção não como a regra, sobretudo quando se consolidou a função social da propriedade e de diversas formas ao direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado.

- A autorização para queima deveria ser excepcional e não virar uma licença ordinária. O poder público fez uma má interpretação e uma má aplicação da lei, de forma a danificar o meio ambiente em benefício de interesses privados e egoísticos. O que estamos fazendo é reparando todo o histórico de ilegalidade.

Anselmo Cordeiro Lopes nasceu em Ribeirão Preto (SP). É formado em direito pela Universidade de São Paulo. Ingressou no MPF há pouco mais de um ano. Ao prestar concurso público, escolheu o Acre para trabalhar. Antes, exerceu cargo de procurador da Fazenda Nacional, em Brasília.

Veja os principais trechos da entrevista:

Os produtores rurais vão perder o direito de desmatar e queimar as florestas?

Freqüentemente, a mídia mostra o tráfico de animais silvestres no país. A sociedade reage com indignação quando lhe é mostrado o flagrante de maus tratos de animais, mas ninguém reage com a mesma firmeza contra as incontáveis queimadas de florestas, responsáveis pelo sacrifício de milhões de animais indefesos. Quando alguém toca fogo numa floresta, além das árvores, os animais são mortos de modo cruel, mas as pessoas parecem anestesiadas para essa realidade. Mas é ncessário deixar claro: uma coisa é o direito de utilizar como bem entender uma área que está fora da reserva legal. Isso não se confunde com o direito de queimar a matéria orgânica. O fato, por exemplo, de uma pessoa ter 10% de sua área como possível de ser desmatada, não significa que ela possa prepará-la com o uso do fogo. O que estamos restringido é o instrumento do fogo. O Código Florestal Brasileiro é bem claro: é proibido o uso do fogo em vegetação e essa proibição não se restringe à Amazônia. Excepcionalmente, o poder público pode autorizar o uso do fogo. No direito administrativo existe uma diferença enorme entre autorização e licença. A licença é um ato pelo qual o poder público reconhece que existe o direito pré-existente. A autorização, porém, é um ato discricionário do poder público, que tem que observar a conveniência ou não de seu ato para autorizar ou não. Este ato é um ato precário, isto é, de acordo com o direito, algo que pode ser suspenso ou cancelado, de acordo com a conveniência da administração. Isso não vai mais existir. A pessoa poderá fazer o desmate, dentro dos padrões da legalidade, mas sem o uso do fogo.

Então na verdade não existe…

Nunca existiu um direito a queimar. Na verdade isso era uma liberalidade do poder público. A permissão é ainda um ato bem mais discricionário do que a autorização, mas a regulamentação legal fala em autorização. Portanto, aquilo que seria um ato discricionário, na prática o poder público atua como sendo uma licença para queima. Não existe e nunca existiu um direito a queimar. Existe um direito a usar a propriedade, o que inclui, de acordo com o licenciamento, nos limites da lei, o direito de retirar a madeira e até a desmatar. Mas isso não quer dizer que o proprietário possa queimar. Hoje já existem métodos eficazes de limpeza para uso da área sem o instrumento do fogo.

Fontes do “governo da floresta” estão contrariadas com a ação do Ministério Público em defesa do “fogo zero”. Dizem que é uma utopia que terá impacto social negativo. Uma das fontes, mesmo considerando a ação inviável, a considera positiva pelo fato, segundo ela, por se trazer o bode para o centro da sala.

Qual é a principal propaganda do governo do Acre com relação à prática sustentável de substituição do uso do fogo? É a mucuna preta. Portanto, o governo mesmo reconhece que é possível alguém fazer a limpeza de uma área, inclusive com enriquecimento do solo, sem necessidade de usar o fogo. Sem queimar, os produtores podem, caso tenha realmente direito a utilizar a sua área, usar a madeira existente na propriedade. O que não dá mais é o método primitivo do fogo, que é incompatível com o tempo que estamos vivendo. Não é possível que depois de 21 séculos, tenhamos que conviver com um método precário. Isso não existe mais em nações minimamente desenvolvidas. O uso do fogo é um crime ao bioma amazônico que tem ficado impune. O fogo é sempre usado na estação seca, o que propicia o descontrole das queimas na região, que geram problemas de saúde pública, o direito à vida, problemas de segurança. Neste momento, estão ocorrendo enchentes em toda a Amazônia e todos sabem que estão relacionadas ao uso do fogo. As árvores têm a função na época do inverno amazônico, como agora, de reter o excesso da água das chuvas, impedindo que seja toda despejada nos rios. Durante a estação seca, a gente sabe que a água retida pelas árvores ajuda a umidificar o ar e a impedir o surgimento de queimadas. Você mesmo escreveu no seu blog sobre o quanto é difícil fazer o controle de queimadas.

Qual a maior dificuldade para se combater os incêndios criminosos?

O principal problema é que a gente ia diariamente no site do CPTEC para conferir os focos de calor no Acre. Mandávamos a Polícia Federal identificar, mas a questão é que são muitos os focos e nem todo foco de calor eqüivale a um crime porque muitos desses focos são autorizados pelo poder público. O que estamos propondo é a restrição crescente. Ela inicia ainda neste ano, com a limitação das autorizações de queima a um hectare por propriedade, apenas para agricultura de subsistência. Progressivamente, a regra deve se tornar mais severa, até a proibição total, daqui a dois anos. Sabemos que isso não garante o fim das queimadas, mas vai eliminar a cumplicidade do Estado com a prática criminosa. A partir disso, qualquer foco de calor será uma presunção de que ali está acontecendo um crime. Dessa maneira, os órgãos de controle e fiscalização, com auxílio da polícia, saem para autuar quem está em flagrante delito cometendo crime. Hoje não existe qualquer tipo de fiscalização. O que acontece na prática é que alguém começa a queimar a floresta de uma área e somente seis ou sete meses depois é que alguém comparece para tentar autua-la a partir de uma análise complexa e muito lenta. O sistema que impera é para gerar descontrole e impunidade geral. Quando isso acontece, o direito deixa de ser respeitado e o estado perde a sua autoridade. Nós precisamos é resgatar essa autoridade do estado.

O que tem acontecido mais?

Muitos órgãos se omitiram na correta interpretação do direito. Nós temos o Código Florestal Brasileiro, que é de uma Constituição que não previa sequer a função socioambiental da propriedade. Um proprietário não pode usar sua área tendo em vista apenas o seu interesse individual. Ainda assim, no Código Florestal está previsto, desde 1965, que a regra era proibir o fogo. Existia uma autorização excepcional. Essa exceção era para ser interpretada cada vez mais como uma exceção de uma regra e não a regra visto que surgiu a função social da propriedade e diversas formas ao direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado. A autorização para queima deveria ser excepcional e não virar uma licença ordinária. O poder público fez uma má interpretação e uma aplicação da lei, de forma a danificar o meio ambiente em benefício de interesses privados e egoísticos. O que estamos fazendo é reparando todo o histórico de ilegalidade. Como existe a cultura do fogo, para não gerar um choque muito radical, estabelecemos que a transição para eliminação do fogo ocorra entre 2009 e 2011, que também é o período de conclusão da vigência financeira do Plano Plurianual.

Em 2005, a população da Amazônia viveu um drama sem precedentes. No Acre, tivemos um desastre ecológico, social e econômico. As pessoas tiveram que usar máscaras para poder enfrentar a fumaça e o governo só reconheceu a gravidade da situação após o Ministério Público fazer exigências.

Naquele ano, foram detectados por satélite 22.292 focos de queimadas no Acre. Para se ter uma ideia do que significam mais de 20.000 focos queimadas, comparamos esse número com os 1.929 focos de queimadas ocorridas no ano passado. O fogo se espalhou e disseminou danos em todas as áreas da Amazônia Legal. Foram 646 mil focos de fogo na Amazônia Legal, quase todos iniciados em áreas já impactadas pelo homem, o que gerou prejuízo ambiental de ordem mundial. Luiz Aragão, pesquisador da Universidade de Oxford, na Inglaterra, afirma que antes da estiagem de 2005, a Floresta Amazônica absorvia 400 milhões de toneladas de carbono por ano. Porém, no referido período de seca, além de não ter absorvido nada de carbono, emitiu 900 milhões de toneladas de carbono.

Os pesquisadores dizem que 267 mil hectares de área de floresta com copa foram afetados pelas queimadas no Acre, que a área desmatada de pasto e capoeira foi superior a 203 mil hectares. É uma área superior a 470 mil hectares de áreas afetadas pelo fogo naquele ano.

Os órgãos públicos não estavam preparados para lidar com tamanho fogo e nada puderam fazer para impedir seu avanço. Nos municípios impactados pelo fogo e pela fumaça, ocorreram prejuízos de aproximadamente R$ 155 milhões em danos humanos, materiais, econômicos, sociais e ambientais. Em Rio Branco foram suspensas as aulas por vários dias. Entre os meses de agosto e setembro de 2005, praticamente 10% da população da capital do Acre foi atendida nas unidades de saúde pública, ou seja, cerca de 30 mil pessoas. Os idosos e as crianças foram os maiores prejudicados. As queimadas ocasionaram a poluição de rios, lagos e igarapés, em função do grande depósito de cinzas. O fogo provocou inúmeros prejuízos econômicos aos próprios produtores rurais que o utilizam, como a destruição de suas casas, cercas, plantios, máquinas e redes de transmissão de energia. Muitos foram os efeitos da sistemática poluição do ar sobre a saúde humana, como morte prematura por doenças do coração, morte prematura por doenças pulmonares, mortalidade infantil, mortalidade por câncer do pulmão, doenças na visão, agravamento de doenças do coração e pulmonares como a asma, aparição de tosse, ofego e bronquite crônica. Além disso, a visibilidade no Acre esteve inferior a 1 quilômetro. Os transportes aéreos e terrestres de todo o Estado foram prejudicados, além de ter ocasionado acidentes nas estradas. O leste do Acre esteve em total caos social, como se um estado excepcional tivesse sido decretado no estado, ficando as pessoas presas em suas próprias casas, não se podendo ir à escola, não se podendo viajar. Mal se podia sair de casa ou do hospital.

O Ministério Público quer contribuir para evitar uma nova catástrofe ambiental e econômica na região.

Sim. A região leste do Acre já é bastante antropizada. Em média, está com 40% de sua área desmatada. A ocorrência de secas é periódica. Seguramente, em algum ano dos próximos que virão, encontraremos um cenário propício para a repetição da tragédia ambiental de 2005. O quadro poderá ser ainda pior. Cerca de 500 mil hectares de nossa floresta já foi, num ano ou outro, impactado pelo fogo, o que torna mais fácil a penetração do fogo nessas áreas em futuro incêndio. Além disso, o aquecimento global, naturalmente, tem tornado os períodos secos ainda mais secos e quentes, aumentando o grau de risco que está sujeito o Acre nos próximos anos.

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