Rondônia, 24 de novembro de 2024
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Política, energia e vergonha

O Rio Madeira, perdido em curvas sinuosas lá pelas remotas bandas da Amazônia Ocidental, mudou de humor. Depois de demonstrar ao mundo parte de sua fúria e de seu descontentamento com a forma pouco elegante com que tem sido tratado por sucessivos governantes, tende a recolher suas águas de forma lenta e progressiva. Isso não quer dizer haver sido expedido um perdão tácito, pelo majestoso Madeira, aos agressores bípedes de todos os escalões. Alguns números dessa ira,  é bom reconhecer, assustam. No dia 3 de fevereiro, por exemplo, a vazão de água chegou a 38.315,68m³/s, em uma coluna de água barrenta e pesada superior a 19m de altura... acima do seu leito dito “normal”. Alguém consegue ter noção do que isso significa de força, de estrago e de capacidade de erosão de margens??  Toda essa massa aquífera em andamento empurrando tudo pela frente???



3. Reconstrução estratégica

De cima de minha ignorância, e devo admitir não ser pouca, estou convencido de que o volume de água a deslizar pelo Madeira em frente aos meus olhos nada tem a ver com as hidroelétricas em construção. Desgelo andino, desmatamento, chuvas na bacia boliviana e amazônica ficam com a culpa do pequeno dilúvio em marcha. No entanto, não há como negar a mudança do perfil do Rio com essas obras gigantescas. Simplesmente, mudou! Entre outros, salta aos olhos o aumento forte da velocidade das águas e isso, caso eu não esteja profundamente enganado, provoca uma forte erosão nas margens. Trata-se de um rio novo e em formação, mas a erosão “incentivada” dos últimos 3 anos adiantou um lento e paciente trabalho de 100 anos do Madeira.

3. Reconstrução estratégica

Dando sinais esperançosos de uma possível tranquilidade, o Rio começa a recolher suas fortes e fartas águas. No entanto, não o fará de maneira impune e nem sem infligir sequelas dolorosas aos nativos. Ao partir, as águas deixarão um legado de carências a ser carregado por, pelo menos, três anos. Estradas destruídas, casas arrasadas, plantações varridas, prejuízos fartamente espalhados entre aqueles que pouco têm. A lama criará um cenário de caos, e os vetores de doenças, como mosquitos, ratos, aranhas, escorpiões, cobras e demais animais nada sociáveis, multiplicar-se-ão aos quilos. A pouca educação e formação de nossa gente mais simples agrava o quadro, pois a ingestão de água contaminada, ou apenas o contato com ela, é suficiente para o deflagrar desses processos insalubres.

4. Erro grosseiro ou irresponsabilidade?

As perguntas inconvenientes não param de zanzar pela mente dos mortais locais. Quem irá pagar pelos prejuízos? Quando irá pagar? De que forma serão feitas as ações e quem será envolvido nesse processo? Os recursos destinados à compensação e mitigação foram adequados? Por exemplo, a contenção da margem direita do Rio Madeira é um exemplo claro de serviço porco e de baixíssima qualidade. Uma contenção de pedras ridícula com a presunção de domar um gigante. Afinal, que dito-cujo engenheiro aprova esse tipo de obra preventiva?? Era necessário fazer uma proteção de margens muito mais alta, muito mais forte e por muitos quilômetros após as duas hidroelétricas. A quantidade de rochas retiradas para as fundações dos empreendimentos, em número suficiente para encher vários Maracanãs, deveriam ser todas usadas para a contenção das margens. Se não suprissem a demanda, deveriam buscar mais e assim fazerem algo de acordo com o merecimento deste povo local.

5. Indo para um contexto nacional

Nada é por acaso. Assim, ao olharmos o quadro nacional, há que se ter em mente um crescimento médio de consumo de energia para os próximos dez anos de 4,3% (dados da EPE - Empresa de Pesquisa Energética). Conforme relatório da ANEEL, datado de dezembro de 2013, o Brasil possui hoje um parque gerador de energia instalada de 126.754.659 KW. Desse total, 67,9% é de produção hídrica; a produção térmica é 28,8%; termonuclear, 1,6%; eólica, 1,7%; solar é residual. É bom lembrar que “fabricar” energia produz despesa e implica diretamente no custo do desenvolvimento do país. A energia produzida no Brasil é 25% mais cara do que aquela produzida na França, por exemplo, onde o modelo é, majoritariamente, termonuclear (entendeu os desdobramentos?). Se a opção não for o retorno ao lampião, teremos que achar alternativas para a produção de energia. O Brasil, é fato, ainda tem espaço para a exploração hídrica. Não obstante, surge a pergunta: aprofundamos esse modelo e aperfeiçoamos gargalos ou partimos para a nuclear? Explorar a energia das águas da Amazônia pode ser uma solução (mas não é a única), porém não dá para fazer isso seguindo outros modelos, sem compensações compatíveis e respeito pelo que aqui está. A energia verde tem servido, ao longo de décadas, para desenvolver o Brasil distante. Somos, cada vez mais, parte das macro soluções e, a meu ver, devemos entrar no processo de forma mais integrada. A Amazônia não é quintal das grandes empreiteiras ou reserva estratégica do Sul/ Sudeste. A relação deve e necessita ser outra. Nessa direção e dentro de tal ótica, o peso político da Região Norte em Brasília, e a sua credibilidade moral, é que construirão e consolidarão o futuro dos estados amazônicos.

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