Algumas instituições de saúde no receio de premiar os ociosos se arvoram em estabelecer quantitativo de atendimentos ambulatoriais que cada médico terá que cumprir numa determinada carga horária de trabalho. O estabelecimento deste critério para aferição da competência do médico é mais frequente em hospitais públicos, pois não raro são dirigidos por pessoas despreparadas, que não dominam o conhecimento e os fatores determinantes do bom exercício da medicina. Na verdade, os critérios políticos são o móvel de tais medidas, pois para o dirigente nenhuma ação vale a pena se não for capitalizada eleitoralmente. E nessa lógica perversa e imoral quanto mais pacientes forem atendidos, potencialmente mais eleitores serão granjeados, independentemente da qualidade do atendimento. Esses gestores ignoram a impossibilidade de se planificar, aprazar e modelar o atendimento médico, porque o exercício da medicina não pode ser mensurado por planilhas numéricas.
O médico não trabalha em uma linha de montagem. Cada atendimento tem características próprias, onde dentre outros elementos são considerados: a complexidade da patologia a ser diagnosticada; o perfil de cada paciente; por fim, o relacionamento médico/paciente, indispensável à humanização do atendimento.
É cediço que o exercício da medicina tem sofrido modificações ao longo do tempo por vários fatores, tanto científicos quanto sociais e até mesmo financeiros. Porém, no caso da saúde pública no Brasil observa-se total ausência de uma política objetiva nos vários níveis de governo, fato este que deixa o médico tutelado às ordens de serviços, portarias, regimentos, ceifando dentre outras coisas a liberdade profissional para o correto julgamento, tendo por conseqüência a automação do atendimento, a despersonalização do paciente que com razão se sente discriminado quando busca ser ouvido e examinado com interesse. Ou seja, é quebrado por completo um dos fatores mais relevantes do exercício da medicina: a relação médico/paciente. Um dos esteios do exercício da medicina é a sua autonomia, e o médico jamais poderá dela dispor, pois trata-se de um dos postulados éticos que maior caracteriza a sua atividade profissional. Neste sentido o Código de Deontologia Médica estabelece em seu artigo 27 que é direito do médico “dedicar ao paciente, quando trabalhar com relação de emprego, o tempo que sua experiência e capacidade profissional recomendarem para o desempenho de sua atividade, evitando que o acúmulo de encargos ou de consultas prejudique o paciente”.
Prescinde dizer que nesse julgamento, deve o médico guiar-se pela ética e boa fé, sob pena de perder sua legitimidade. Assim, não restam dúvidas que fere frontalmente a legislação de regência qualquer ordem que tente impor ao médico número mínimo de atendimento em determinada carga horária, devendo o profissional se rebelar contra determinação deste naipe mediante os meios jurídicos postos ao seu dispor.
Cândido Ocampo, advogado atuante no ramo do Direito Médico.