Rondônia, 16 de novembro de 2024
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Refugiados invisíveis na fronteira Brasil-Bolívia - Por Altino Machado

No dia 11 de setembro de 2008, no Departamento de Pando, na Bolívia, aconteceu um episódio inédito: mais de 20 mortes provocadas por violência política. Os responsáveis têm que ser identificados, a fim de que ocorra a justiça imediatamente.

Logo depois, militares bolivanos ocuparam Cobija, prenderam o governador Leopoldo Fernandez, invadiram casas e criaram um ambiente de medo. Centenas de residentes de Pando fugiram para o Brasil e se mantém nos municípios de Brasiléia e Epitaciolândia como refugiados.

Segundo dados da Defesa Civil brasileira foram cadastradas 806 pessoas, dentre as quais 213 brasileiros, muitos deles que residiam em Pando há mais de 20 anos. Estão em abrigos públicos 154 pessoas e em abrigos não públicos são 652 dos cadastrados.

Muitos outros encontram-se em casas de amigos, parentes e conhecidos e estima-se um total de 1,3 mil ou mais pessoas refugiadas. Desse total, 450 pessoas atualmente estão recebendo alimentação do Governo do Estado do Acre e do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra).

Em um dos abrigos, na antiga casa da Associação de Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Brasiléia, estão 85 brasileiros que moravam em Pando, dos quais 48 são crianças, sendo 45 delas sem escola.

Apesar de tudo, alguns conseguem manter o sorriso no rosto com a esperança de que o Incra possa assentá-los em Xapuri, conforme lhes prometera o superindente dias atrás. Esse grupo está sendo liderado por Maria, uma pequena senhora, mãe de três filhos, que serve a comida na mão de cada uma das 48 crianças e se sente importante por ser mulher e líder de um grupo sofrido, mas esperançoso em ter no futuro onde morar.

A tragédia muitas vezes trás sorte para alguns, no caso da pequena Maria Brasileira. Mas não se pode dizer o mesmo da Maria Boliviana, uma simples e humilde líder de bairro em Cobija, e que também está sendo perseguida. Onde se encontra, hoje são 41 refugiados, em condições um pouco melhores em termos de espaço físico, no Ginásio de Esportes da cidade de Brasiléia.

Segundo a Maria Boliviana, apesar do levantamento do estado de sítio, as ameaças continuam e os presos não foram libertados até o último domingo. Todos continuam apavorados e com medo de retornar, pois sabem que serão pegos, pois esta, segundo Maria Boliviana, é ordem nacional. Outra professora, 27 anos de magistério, também está foragida. Seu crime foi ter sido, um dia, partidária de Leopoldo Fernandez.

Dentre os refugiados, muitos inocentes, muitas crianças e provavelmente alguns bandidos, mas como dizia minha avó, o bom não tem estrela na testa. Enfim, todos são seres humanos e merecem o respeito previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afinal completa 60 anos em dezembro. A pena é que muitos não a reconhecem.

Ao perguntarmos quais são as perspectivas futuras aos desabrigados, eles responderam que jamais poderão regressar ao seu país e agradecem a compreensão brasileira.

Nos municípios de Brasiléia e Epitaciolândia, uma força-tarefa, digna de respeito, se aliou para apoiar aos desabrigados, dentre os quais representantes das prefeituras de Brasiléia e Epitaciolândia, Corpo de Bombeiros Militar, Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, Polícia Militar, Exército Brasileiro, Polícia Federal, Polícia Civil, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Departamento de Águas e Sanemaneto, Gabinete Civil do Governo do Acre, Igreja, ACNUR, Secretaria de Ação Social, Imprensa e voluntários, num esforço que já dura meses.

As ações da Defesa Civil têm sido intensas nos últimos meses, com cadastramento de migrantes, alocação de abrigos provisórios, transporte de migrantes e de materiais para os abrigos, fornecimento e distribuição de alimentação e água potável, atendimento médico, recepção e distribuição de doações, além das ações de segurança, com controle de entrada e saída das vias de acesso do país e nas áreas de abrigamento, dentre outras atividades.

Muitos bolivianos, que deram entrada ao pedido de refúgio na Polícia Federal, puderam retirar carteira de trabalho e CPF temporários, através do Projeto Cidadão do Acre. No entanto, se sabe que a partir do momento em que o estado de sítio é suspenso, todos os refugiados poderiam ser considerados ilegais e automaticamente deveriam retornar a seu país.

E aí vêm as perguntas: O que farão os refugiados diante do pânico que ainda os domina? Se não tiveram visibilidade durante o processo crítico de estado de sítio, terão visibilidade agora? O Governo Interino de Pando vai dar garantia de vida e liberdade àqueles que quiserem retornar ao seu país? Até quando o Governo do Acre poderá mantê-los? E o Governo Federal Brasileiro, o que fez, ou o que poderá fazer? Porque os jornais não fizeram publicidade suficiente do fato?

Esses refugiados podem continuar invisíveis, pois para muitos, inclusive bolivianos, são uns poucos adeptos de Leopoldo que estão gastando seus recursos em Brasiléia. Mas se quem visitar os abrigos (mais de 60 atualmente), verá que a verdade é outra. Muitos necessitam de apoio moral, trabalho e, acima de tudo, necessitam esperança.

■ Vera Reis e Enock Pessoa são professores da Universidade Federal do Acre e ativistas do Movimento MAP - Madre de Dios (Peru) , Acre (Brasil) e Pando (Bolívia).


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