Rondônia, 09 de outubro de 2024
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Requisições judiciais e o direito do médico

Não raro as unidades hospitalares, tanto públicas quanto privadas, são surpreendidas com expedientes judiciais requisitando os originais de prontuários e fichas médicas. Tais requisições em sua maioria são sempre recheadas de ameaças de prisão ou outras do gênero, caso o destinatário não cumpra em prazos exíguos a ordem. Estes casos (de ameaças veladas) são mais freqüentes em municípios longínquos e pequenos, onde a desinformação é mais presente, e justamente se valendo deste fato as autoridades perpetram verdadeiros abusos.
 
O segredo médico é instituto milenar tendo previsão já no juramento de Hipócrates. Em verdade para a classe médica o segredo é algo que não pode dissociar do exercício de sua profissão. Pelas características peculiares de seu mister o médico tem freqüentes vezes diante de si, abertos em leque, informações íntimas da mais variada natureza. Colhe não apenas esclarecimentos reservados sobre o paciente, mas sobre sua família, parentes próximos e até mesmo alusivos a terceiros àquele ligados. Penetra no recesso dos lares, pois necessita conhecer as causas da moléstia em exame que podem desembocar em delicadas e constrangedoras origens: comportamentos viciosos, eticamente reprováveis ou delituosos, dificuldades econômicas, disputas domésticas, etc.
 
Por tais razões, o Código de Ética Médica, a lei e a Constituição Federal (art. 5°, inciso X) reconhecem o segredo médico como sendo um dos pilares da relação médico/paciente, protegendo-o de todas as formas de vilipêndio, inclusive daqueles perpetrados por autoridades incautas que descabidamente não vislumbram limites em seu poder. O artigo 102 do Código de Deontologia Médica prescreve ser “ vedado ao médico revelar fato que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente”.
 
O Supremo Tribunal Federal, diante de toda a legislação de regência, e como guardião maior de nossa Constituição Federal, já firmou entendimento que não cabe à autoridade judicial a discricionariedade de determinar quais os casos e a conveniência ou não de se sobrepor ao segredo médico, e consequentemente invadir a intimidade do paciente, mas sim observar os critérios previamente determinados em lei (poder vinculado), conforme as exceções expostas no dispositivo deontológico acima transcrito. E mesmo diante das exceções, o STF considera abuso de autoridade as requisições judiciais de originais de prontuários e fichas médicas às unidades hospitalares, entendendo ser bastante apenas a disponibilidade dos mesmos à perito devidamente juramentado e vinculado não ao segredo médico, mas ao segredo pericial, e limitando a disponibilidade ao fato sob investigação.
 
Cândido Ocampo, advogado especialista em Direito Médico.
candidoofernandes@bol.com.br

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