Responsável legal e a responsabilidade médica
Pergunta-se: a quem deve ser entregue o prontuário e demais documentos referentes ao atendimento prestado ao falecido se o Código de ética Médica veda a revelação do segredo profissional mesmo após a morte do paciente? (alínea “a”, do § único do art. 102); e quando o morto, apesar de formalmente casado, mantinha duradoura e estável relação de companheirismo com outra pessoa e ambas solicitam a documentação?; e quando vários parentes, consanguíneos ou afins, solicitam concomitantemente a mesma documentação? São situações de dúvida que podem levar o médico ou hospital a cometer equívocos graves, com consequências e responsabilidades também importantes caso forneçam o prontuário a quem não detinha o direito.
O segredo médico é instituto milenar, tendo previsão já no juramento de Hipócrates: “O que, no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida, eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como segredo.” Em verdade para a classe médica o segredo é algo que não pode dissociar do exercício de sua profissão. Pelas características peculiares de seu mister, o médico tem frequentes vezes diante de si, abertos em leque, informações íntimas de toda natureza. Colhe não apenas esclarecimentos reservados sobre o paciente, mas sobre sua família, parentes próximos e até mesmo alusivos a terceiros àquele ligados.
Penetra no recesso dos lares, pois necessita conhecer as causas da moléstia em exame que podem desembocar em delicadas e constrangedoras origens: comportamentos viciosos; eticamente reprováveis ou delituosos; dificuldades econômicas; disputas domésticas, etc. Por tais razões o Código de Ética Médica (arts. 102/109), e a Constituição Federal (art. 5°, inciso X) reconhecem o segredo médico como sendo um dos pilares da relação médico/paciente, protegendo-o de todas as formas de vilipêndio.
Tratando-se de direitos inerentes à personalidade (intimidade e vida privada) o Código Civil em seu artigo 11 é bastante enfático ao considerar que “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis”.
O hospital e os médicos como guardiões dos prontuários têm o dever legal de manter o sigilo, dever que persiste após o falecimento do paciente, conforme vimos acima. E mesmo que determinados parentes afins ou consangüíneos (cônjuge sobrevivente, pai, mãe, filhos) à primeira vista demonstrem legítimo interesse ao acesso a tais informações sigilosas, não é possível prever quais as reais intenções que motivaram (ou que motivam) o referido acesso, se morais ou escusas. Os Tribunais brasileiros têm entendido que os hospitais são obrigados a permitirem o acesso ao prontuário de paciente falecido ao cônjuge sobrevivente, ou na inexistência deste, aos descendentes e ascendentes, desde que o acesso seja motivado por questões justas e legítimas, como, por exemplo, para investigação sobre possível erro médico onde o prontuário se mostra imprescindível à elucidação dos fatos.
Ocorre que como as situações acima não podem ser antevistas, pela impossibilidade de se presumir as intenções humanas, os pedidos de acesso aos prontuários de pacientes falecidos devem ser analisados caso a caso, como hodiernamente o Judiciário já o faz. Assim, somos de opinião que o hospital ou o médico, caso surjam dúvidas sobre a legitimidade do requerente, só devem permitir o acesso a prontuários de pacientes falecidos por ordem judicial, situação em que ambos se exoneram do dever legal ao sigilo, vez que o decreto judicial torna justa a causa de revelação do segredo profissional.
Cândido Ocampo, advogado especialista em Direito Médico. candidoofernandes@bol.com.br
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