Justiça Federal manda Cremero desinterditar hospital municipal de Santa Luzia
O juiz federal substituto Samuel Parente Albuquerque, da 1ª Vara Federal Cível e Criminal de Ji-Paraná, acatou pedido do Município de Santa Luzia do Oeste e deu prazo de 24 horas que o Conselho Regional de Medicina do Estado de Rondônia (Cremero) tome as medidas necessárias para desinterditar o hospital municipal Maria Verli Pinheiro, na cidade. A unidade de saúde foi interditada por graves irregularidades, como problemas estruturais, problemas dos centros cirúrgicos e ainda o descarte de 4,5 toneladas de medicamentos vencidos.
No entanto, o magistrado concordou com os argumentos da Procuradoria do Município, de que não há previsão legal para que conselhos médicos realizem interdição de hospitais públicos. “Ocorre que, como bem pontuado pelo impetrante, não há previsão legal para a interdição de hospitais públicos pelos Conselhos Regionais de Medicina, eis que tal atribuição não consta da Lei n. 3.268/57, que veicula apenas sanções aos profissionais médicos (art. 22). Tais conselhos têm fundamentado a interdição ética na Resolução CFM n. 2.062/2013, o que ocorre também no presente caso, em que há expressa referência ao normativo no ofício no Id 1158622791. A jurisprudência, todavia, tem rechaçado a interdição de hospitais públicos com fundamento unicamente em ato infralegal, uma vez ausente suporte em lei para tal atuação dos conselhos profissionais”.
Na petição, o Município também, argumentou que o hospital Maria Verli Pinheiro é o único da região dedicado ao tratamento de doenças infectocontagiosas. Confira a decisão:
PROCESSO: 1002933-08.2022.4.01.4101
CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120)
POLO ATIVO: MUNICIPIO DE SANTA LUZIA D'OESTE
REPRESENTANTES POLO ATIVO: LEILA MAYARA CASSIA MENEZES - RO6495
POLO PASSIVO:CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE RONDONIA -CREMERO e outros
DECISÃO
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, que MUNICIPIO DE SANTA LUZIA D'OESTE impetrou em face de ato praticado pelo PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE RONDÔNIA - CREMERO, objetivando, em sede de urgência, a suspensão de interdição ética aplicada pelo impetrado ao Hospital Municipal Maria Verli Pinheiro.
Narrou que recebeu notificação do impetrado apontando supostas irregularidades no funcionamento do referido nosocômio.
Sustentou que o Hospital Municipal Maria Verli Pinheiro é o único da região dedicado ao tratamento de doenças infectocontagiosas, cujo atual estado pandêmico amplifica a imprescindibilidade de seu funcionamento.
Aduziu que, não obstante os exíguos prazos concedidos, adotou diversos procedimentos para adequar o funcionamento do estabelecimento de saúde às exigências do conselho profissional, comunicando-os ao CREMERO e solicitando dilação de prazo para as providências que demandavam mais tempo para solução.
Asseverou que, mesmo comunicando, em 19/06/2022, as providências adotadas, não teve suas informações apreciadas pela autoridade, que procedeu à interdição do Hospital com base em decisão adotada pelo plenário do CREMERO em 27/05/2022, vinte e três dias antes, na qual não foram consideradas as ações realizadas após a notificação.
Sustentou a ilegalidade da interdição ética, que não tem previsão legal para aplicação a hospitais públicos ou privados.
Inicial instruída com documentos.
Os autos vieram-me conclusos.
Decido.
O remédio constitucional do mandado de segurança destina-se a proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público (CF, art. 5º, LXIX).
Nesse tipo de ação, para a concessão de liminar, é necessário o atendimento dos pressupostos da relevância do fundamento do pedido (fumus boni juris) e o do risco da ineficácia da medida, se concedida ao final (periculum in mora), conforme previsto no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009.
A parte autora busca ordem judicial apta a determinar à autoridade coatora que suspenda sanção aplicada a hospital público que mantém. Não obstante a ausência de juntada do ato que veiculou a referida interdição, tendo em consta sua existência provável, na medida em que há referência a sua imposição no ofício exarado pelo impetrado e que consta do Id 1158622791, bem como a indiscutível urgência do caso, em que se noticia a suspensão das atividades de hospital público, passo a apreciar o pedido conforme o que consta dos autos.
Os conselhos profissionais, que detém natureza jurídica de autarquia, exercem atividade de polícia consistente na fiscalização de algumas atividades profissionais cujo exercício é limitado com base no interesse da coletividade, e com fundamento no art. 5º, inciso XIII da Constituição Federal.
Ocorre que, como bem pontuado pelo impetrante, não há previsão legal para a interdição de hospitais públicos pelos Conselhos Regionais de Medicina, eis que tal atribuição não consta da Lei n. 3.268/57, que veicula apenas sanções aos profissionais médicos (art. 22).
Tais conselhos têm fundamentado a interdição ética na Resolução CFM n. 2.062/2013, o que ocorre também no presente caso, em que há expressa referência ao normativo no ofício no Id 1158622791.
A jurisprudência, todavia, tem rechaçado a interdição de hospitais públicos com fundamento unicamente em ato infralegal, uma vez ausente suporte em lei para tal atuação dos conselhos profissionais.
Nesse sentido é o entendimento do egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. CREMERO. UNIDADE DE ATENDIMENTO MÉDICO MUNICIPAL. CENTRO CIRÚRGICO. INTERDIÇÃO. ATO ADMINISTRATIVO FUNDAMENTADO, UNICAMENTE, EM RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. ILEGALIDADE. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. LEI 9.782/1999. ÔNUS DA PROVA (CPC/1973, ART. 333). APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA, NÃO PROVIDAS.
1. "Embora socialmente relevante a medida adotada, a ação do CRM/MG certamente desbordou de qualquer atribuição sua prevista em lei. Seu poder de polícia não poderia ir além da fiscalização do exercício da atividade médica a ponto de impedir o funcionamento do estabelecimento e condicionar a retomada de suas atividades à adoção de providências previstas em regulamentos. Tal poder cautelar é exclusivo da autoridade sanitária, cujo sistema nacional é objeto de regulamentação na Lei 9.782, de 29/1/1999. No âmbito da União, esse papel é reservado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que poderá exercê-lo em delegação aos serviços sanitários dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (cf. art. 7º, XIV e art. 8º, § 2º, c.c. o § 1º do art. 3º)" (AP 0038365-05.2003.4.01.3800/MG, TRF1, Segunda Turma Suplementar, Rel. Juiz Federal convocado Marcelo Dolzany da Costa, unânime, eDJF1 23/08/2013).
2. Em defesa do ato impugnado, o apelante alega que a medida encontra amparo em disposições da Resolução CFM 2.062/2013, segundo a qual "define-se como interdição ética do trabalho do médico (IEM) a proibição, pelo respectivo Conselho Regional de Medicina, de o profissional exercer seu trabalho em estabelecimentos de assistência médica e hospitalização por falta de condições mínimas para a segurança do ato médico" (Art. 1º).
3. O impetrante desincumbiu-se do ônus que lhes cabia (CPC/1973, art. 333), qual seja demonstrar a ilegalidade do ato administrativo fundamentado, unicamente, em Resolução do Conselho Federal de Medicina, não merecendo reparo a sentença por ter decidido que "o CREMERO atuou ilegalmente ao emitir o ato de interdição ética do centro cirúrgico da Unidade Mista de Cacoal, uma vez que a competência era do órgão de vigilância sanitária, conforme determinado pela Lei n. 9.782/1999".
4. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, não providas.
(AMS 0008369-46.2014.4.01.4100, DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, TRF1 - OITAVA TURMA, e-DJF1 17/05/2019 PAG.)
Destarte, para além da análise da proporcionalidade da medida, há evidente ilegalidade da atuação do impetrado. Verifico demonstrada, portanto, a relevância do fundamento do pedido para a concessão da medida.
O risco de ineficácia da medida também resta caracterizado, na medida em que se trata de interdição imposta a estabelecimento público de saúde, a vulnerar o direito à saúde da população local, em cidade distante dos maiores centros de saúde do estado.
Destarte, merece ser acolhido o pedido de liminar.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de liminar, para determinar que a autoridade impetrada que, em 24 (vinte e quatro) horas, SUSPENDA a interdição ética imposta ao Hospital Municipal Marli Verli Pinheiro, mantido pelo impetrante.
Fixo multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo descumprimento.
À Secretaria:
Notifique-se a autoridade coatora, na forma do inciso I do artigo 7º da Lei nº 12.016/09, para fins de cumprimento desta decisão, bem como para que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações.
Dê-se ciência ao órgão da representação judicial da pessoa jurídica interessada, na forma do inciso II do artigo 7º da Lei nº 12.016/09, para que, querendo, ingresse no feito. Intime-se a impetrante, COM URGÊNCIA, para que tenha ciência desta decisão, bem como para que junte aos autos, em 05 (cinco) dias, o ato que veicula a interdição imposta ao Hospital.
Apresentadas as informações ou decorrido o prazo para tanto, vista ao Ministério Público Federal para manifestação em 10 (dez) dias. Na sequência, façam-se os autos conclusos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Ji-Paraná/RO
SAMUEL PARENTE ALBUQUERQUE
Juiz Federal Substituto
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