Rondônia, 21 de dezembro de 2024
Otacílio Moreira de Carvalho

Custo de Vida: a sobrevivência com a perda do poder aquisitivo – II parte

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Otacílio Moreira de Carvalho

No artigo passado, mostramos como o ganho do brasileiro derrete frente a escalada de preços. Hoje, vamos iniciar falando do preço da cesta básica em Porto Velho (RO). Mensurada todos os meses pelo Grupo PET/Economia da UNIR, custava R$ 384,74 em fevereiro de 2020, período pré-pandemia. Em outubro de 2022 o valor da cesta básica passou a custar R$ 548,96, o que representa um aumento de 42,68% ao longo da pandemia.

Em fevereiro de 2020, o preço médio da gasolina no país era de R$ 4,53 o litro. Em pesquisa realizada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) na última semana de fevereiro e, para o mesmo período, o preço médio do óleo diesel foi registrado em R$ 3,67 o litro. Na última semana de outubro de 2022, os preços médios para ambos os produtos foram registrados em R$ 4,91 a gasolina e R$ 6,56 o diesel, correspondendo a um aumento de 8,39% na gasolina e de 78,74% no diesel, cabendo destacar que em junho de 2022 foi implementada legislação que considera combustíveis bens essenciais e com isso o teto para cobrança de ICMS sobre esses produtos passou a ser de 18,5%, com impacto expressivo sobre o preço da gasolina. Alguns estados do país cobravam até 31% de ICMS sobre a gasolina, enquanto sobre o óleo diesel o ICMS médio cobrado pelas unidades federativas circulava em torno de 16% já na época.

Para termos uma ideia do impacto do ICMS sobre o preço da gasolina, em junho de 2022 o preço médio do litro da gasolina no Brasil era de R$ 7,39, chegando a cair os preços abaixo de R$ 5 nas semanas seguintes, com a redução da alíquota do ICMS. Em Rondônia, o preço médio do litro da gasolina em fevereiro de 2020 era de R$ 4,64 e em outubro de 2022 foi registrado em R$ 4,99, com aumento de 7,5% no período. Por sua vez, o litro do óleo diesel teve registrado como preço médio em fevereiro de 2020 o valor de R$ 3,90 e em outubro de 2022 o preço médio do diesel foi de R$ 7,06, representando um aumento de 81% no período. Da mesma forma no cenário nacional, os preços da gasolina sofreram forte queda em julho de 2022.

Os preços dos bens e serviços vem aumentando de forma mais acelerada que as rendas auferidas pelos trabalhadores. Enquanto os indicadores sobre a evolução nos preços apontam índices superiores a 21%, chegando a índices acima de 50%, no período de fevereiro/2020 a outubro/2022 os rendimentos dos trabalhadores e famílias brasileiras foram corrigidos em patamares inferiores a 17%. O salário mínimo teve uma correção de 15,98% entre fevereiro/2020 a outubro/2022, enquanto a rendimento médio mensal aferido pela PNAD para o terceiro trimestre de 2022, findo em setembro de 2022, teve uma valorização de 16,96% no mesmo período.

Esse cenário vem reproduzindo mudanças no comportamento familiar, com a substituição de produtos tradicionais por itens similares, muitas vezes de qualidade inferior, como é o exemplo da proteína animal, onde temos observado uma redução do consumo per capita de carne bovina que vem sendo substituída por outros tipos de proteínas. Consumidores brasileiros chegaram a consumir cerca de 42 quilos de carne bovina por ano e atualmente esse consumo é inferior a 27 quilos per capita ano. Outros itens, como produtos de limpeza, de higiene pessoal e outros produtos tem sido objetos de substituição, como a aquisição de motocicleta em vez de veículo automotor. Tudo isso acaba refletindo queda na qualidade de vida.

Também temos presenciado a divulgação de pesquisas que evidenciam diversas mudanças de comportamento dos consumidores em razão do aumento no custo de vida para variadas classes socioeconômicas: para consumidores de renda média, redução do número de viagens com a família, alteração ou rescisão de plano de saúde, alteração do ensino particular ou exclusão, alteração ou exclusão de assinaturas de TV fechadas entre outras mudanças de comportamento; para consumidores de baixa renda, substituição de itens por similares de qualidade inferior e com preços mais baixos, substituição no consumo de proteínas animais, redução no consumo de proteína ou até mesmo eliminação no consumo desses produtos, redução ou eliminação no consumo de frutas, além de outros tipos de mudanças comportamentais.

Contudo, os efeitos mais nefastos do aumento no custo de vida são o endividamento e a inadimplência. Em 2021 e 2022 o Brasil atingiu máximas históricas de endividamento, sendo que em outubro de 2022, o total de famílias brasileiras endividadas alcançou o percentual de 79,2%, sendo que 30,3% desses endividados possuíam dívidas em atraso e 10,6% afirmaram não ter condições de pagar as dívidas, conforme dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) realizada mensalmente pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). 

Essas dívidas são tanto de famílias de baixa renda (menos de 10 salários mínimos) como de famílias de média e alta renda (acima de 10 salários mínimos).

Por sua vez, a inadimplência dos brasileiros alcançou em setembro de 2022 o expressivo número de 68,39 milhões de pessoas com ao menos uma dívida em atraso, sendo que o valor médio por dívida de R$ 1.227,71 e o valor médio de dívida por pessoa de R$ 4.324,42, sendo que o estoque de dívidas alcança o valor superior a R$ 295 bilhões, superior ao Produto Interno Bruto (PIB) de vários países, apontam dados do Mapa da Inadimplência da SERASA.

Os dados colocam os trabalhadores brasileiros em condições extremamente negativas do ponto de vista da gestão das finanças, tendo o brasileiro de abrir mão de vários itens básicos de consumo para fechar as contas no final do mês e, se possível, buscar a quitação de dívidas.

O mais grave é que esse cenário está longe de ser alterado. Pelo contrário, teremos ainda um longo espaço de tempo para a mudança nesse quadro, vez que temos vários setores da economia com preços represados que ainda não foram integralmente repassados ao mercado em razão das condições socioeconômicas vivenciadas pelo país durante a pandemia e isso vem reduzindo as margens de lucros das empresas com preços represados. 

Por outra parte, se o aumento nos preços dos bens e serviços tem afetado os trabalhadores, reduzindo seu poder de compra, essa situação também atinge as empresas, a partir da redução de suas margens de revenda, aspecto esse que será explicado em artigo a ser publicado na próxima semana.

O cenário é complexo e está longe de ser amenizado, o que requer cautela por parte dos consumidores, sobretudo em um período de final de ano, quando há diversos tipos de renda extra, como 13º salário, abono salarial, 1/3 de férias, entre outros. Num momento de euforia no mercado consumidor, muitos acabam por esquecer compromissos de início de ano e, sobretudo, possíveis mudanças que ainda poderão surgir. Precaução e cautela nos gastos são palavras de ordem para os próximos meses.

*Otacílio Moreira de Carvalho  é economista e professor da Unir

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