Com duas filhas adotivas, casal fala do processo e garante: “Agora somos uma grande família”
Nove crianças com idades entre seis meses e 8 anos foram adotadas em Porto Velho neste ano, segundo dados da Justiça da Infância e Juventude. Desse total, três mudaram para outros estados. Era um grupo de irmãos: dois ficaram com a mesma família e uma com outra família, vizinha de município.
Nesta quinta-feira (9) é celebrado o Dia Mundial da Adoção e uma grande mobilização está sendo preparada para celebrar a data, com o objetivo principal de trazer o máximo de atenção e apoio para as famílias formadas pela adoção e para as crianças ao redor do mundo.
O Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem cerca de 7,2 mil crianças à espera de uma nova família. Na capital de Rondônia, atualmente há uma criança e três adolescentes à espera de adoção. E quem escolher adotar, garante que o amor é incondicional.
Casados há 22 anos, Elias Pereira Galindo e Marizete da Silva Bezerra tentaram por oito anos ter um filho biológico mas não conseguiram, até que decidiram seguir o caminho da adoção. O casal tem duas meninas: Beatriz adotada com 6 anos em 2011 e Amanda chegou em 2015, com 8 anos de idade.
Mas tudo começou em 2010, quando Elias Galindo, também conhecido por Beto, conversou com um amigo que havia adotado uma criança. Ele gostou da ideia e, com a esposa, decidiram procurar a Justiça para o processo de adoção legal. Marizete lembra que o assunto já vinha sendo conversado. Em fevereiro de 2010, fizeram o cadastro e em março fizeram o curso de adoção.
Como não sabiam sobre os trâmites do processo, o casal acreditava que em poucos meses já estaria com a criança, tanto que a primeira pergunta foi: “em quantos meses a gente leva a criança para casa?”. Somente após um ano no Cadastro Nacional de Adoção eles foram chamados para entrevista. Mesmo tendo optado por uma criança de zero a cinco anos de idade, a entrevista sugeria que o casal levasse uma maior.
Durante uma visita de profissionais da Vara da Infância, foram questionados mais uma vez sobre a possibilidade de adotarem uma criança acima de cinco anos, se queriam conhecer a criança e eles disseram que uma até 6 anos.
Em setembro de 2011, Beto recebeu uma ligação informando que tinha uma menina de 6 anos e meio. Ansioso, ele foi até o hospital onde Marizete trabalha dá a boa notícia, que por um momento, ficou apreensiva. “A certeza do que eu queria era tão forte, era tanto amor que eu já tinha pela criança que enquanto ela pensava eu fui logo falando: se você não está preparada para ser mãe eu estou para ser pai e não posso esperar mais. O relógio biológico está correndo e vou encarar a adoção e gostaria que você estivesse do meu lado”, conta Beto.
Após conhecerem a criança, trocaram cartinhas por dois meses. O grande dia foi numa sexta-feira, dia 8 de outubro, na Vara da Infância. Beto conta que foi um dia muito especial, mas a pequena Beatriz não se entregou de primeira. Como estava há quatro anos no abrigo, ela tinha uma espécie de “mãe”, uma protetora. Para piorar, ela já tinha sido devolvida duas vezes. Foi preciso muita conversa para Beatriz aceitar sua família.
“Um casal tentou adotar a Beatriz, mas depois chegou na porta do abrigo e a deixou lá. Todos os dias, no horário que ela foi abandonada, ela ficava no portão esperando pelo casal. Por isso, aos poucos e com muito amor, formos quebrando as barreiras. Ela quando me conheceu virou as costas para mim. Não queria nenhuma aproximação comigo, mas o meu amor foi maior, um amor que não consigo explicar, é muito forte, vem de dentro do coração”, relata o pai emocionado lembrando do apoio e amparo que teve para encarar os desafios.
Beatriz já está com 12 anos. Há seis que foi adotada. E a segunda filha chegou dois anos e meio depois. A nova filha é Natália, hoje com 10 anos. A menina fazia parte de um grupo de três irmãos, sendo que a Natália ficou com eles e uma irmã dela com um casal aqui de Porto Velho e o outro irmão foi com a família para São Paulo devido aos estudos de doutorado do pai.
O processo de Natália foi diferente da Beatriz. O preparo foi maior pelo fato dela ter ficado no abrigo por três anos e a Justiça já estava trabalhando as famílias para adoção do grupo de irmãos.
“Agora somos uma grande família, uma família ampliada, todos os irmãos estão em contato e as famílias decidiram manter a ligação entre eles, vamos dar todo o suporte para interação deles, reforçando os laços da família biológica”, diz Beto.
Caminho legal
Os procedimentos legais da adoção e os riscos que permeiam o assédio às mães que desejam entregar seus filhos para adoção, utilizando muitas vezes a intermediação de terceiros, são duas realidades vivenciadas pelo Juizado da Infância e Juventude de Porto Velho. Por isso, na dúvida, a Justiça alerta que adoção legal é o melhor caminho.
Desta forma, ao decidir pela adoção, o primeiro passo é procurar a Vara da Infância e Juventude do município, saber quais documentos deve começar a juntar para iniciar o processo. É necessária a idade mínima de 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.
Os documentos necessários são identidade, CPF, certidão de casamento ou nascimento, comprovante de residência, comprovante de rendimentos ou declaração equivalente, atestado ou declaração médica de sanidade física e mental e certidões cível e criminal.
Depois, o pretenso candidato à adoção passa por um curso preparatório de oito horas, que desde 2009 é executado pela Vara da Infância, onde são repassados conhecimentos, dinâmicas sobre adoção e referências bibliográficas. Na sequência tem a avaliação psicossocial com entrevistas e orientações, na maioria das vezes para uma psicoterapia, que é o fortalecimento pessoal e ou do casal.
Para finalizar o processo de adoção, os pretensos pais são inseridos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio de uma ferramenta digital que auxilia os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos dos processos em todo o país. Através do CNA, os cadastrados podem escolher crianças até de outros estados.
Segundo a psicóloga Josefina Mourão, ainda existe muita dificuldade e preconceito com relação a separação de irmãos. Mas a permanência prolongada no abrigo é muito mais prejudicial do que a separação por família. “De alguma forma a justiça tenta trabalhar a garantia de vínculo”, diz a psicóloga.
Quando a criança é adotada e os pais a levam para outros estados, consequentemente o processo migra para a comarca onde ela vai residir, mas a justiça faz o acompanhamento e estímulo à convivência com os irmãos.
“Quando começamos a trabalhar a separação, a gente começa a estimular a convivência com os irmãos biológicos que estão em outras famílias, nada mais é do que uma família ampliada. Essa manutenção de convivência com os irmãos ajuda na formação física psíquica e emocional da criança”, garante Josefina Mourão.
Acesso às histórias de adoção e a proximidade com a família biológica
Hoje, os tribunais são obrigados a guardar todas as informações do processo de adoção. O processo corre em segredo de justiça, mas tudo é guardado: um bilhete, uma carta, fotos, endereços. “Mais tarde a criança vai querer saber do primeiro capítulo da sua vida que foi ao lado da família biológica. Só quem pode ter acesso aos processos são os adotando e os adotados. Os pais adotivos devem compreender o quanto é necessário à aproximação do filho adotado com a família biológica. Uma foto é preciosa nesse momento e o acesso às histórias de adoção”, garante a psicóloga.
Abrigo
Depois que uma criança chega ao abrigo à família biológica perde todos os direitos sobre ela, principalmente se for comprovado à falta de proteção. Mas a lei determina um período de até dois anos para ela ser disponibilizada para adoção. Nesse tempo os profissionais do abrigo analisam se a criança volta para a família, se a família demonstrou interesse na criança, se existem outros núcleos familiares que podem receber a criança, se algum parente visita, caso contrário elas irão para adoção, onde a família biológica perde os direitos sobre a criança.
Nesse tempo de espera, garantido pela lei, é para “saber se a mãe viciada entrou no tratamento de drogas, caso contrário, vai existir o rompimento da família biológica. Quanto menor o tempo da criança no abrigo, menos os danos psíquicos emocionais dela”.
Processo
Muitas vezes ao longo do processo de adoção os profissionais da Vara da Infância percebem que algumas pessoas requerem um treinamento diferenciado ou desejam uma psicoterapia, então elas são orientadas para algumas atividades psico-educativas e incentivadas a conhecer mais sobre o assunto por meio de livros, como as obras “Compreendendo os pais adotivos”, “Compreendendo o filho adotivo”, e “Adoção, origem, segredo, revelação”.
A assistente social Emeriana Silva revela que os próprios pretendentes à adoção se dão conta que não é o momento deles ou que eles não querem de fato a filiação pela adoção. “É um processo que exige, que requer muita entrega, não é uma coisa motivada externamente de ajudar a alguém. Eu quero fazer uma caridade, sendo que caridade tem prazo de validade. Só que filho é pra sempre, não tem devolução”, alerta a profissional.
Do ponto de vista psicológico, explica Josefina Moura, o primeiro caminho é a “identificação da motivação individual, tentar buscar o que motiva uma pessoa ter um filho por meio da adoção, a partir de quando, se vai adotar sozinho, casal homoafetivo, casal heteroafetivo e solteiro?”.
Quando questionada sobre a demora da ação de adoção, a assistente social justificou que a maioria das pessoas é imediatista, chegam ao juizado achando que está cheio de crianças nos abrigos querendo ser adotada e não quer esperar. “Então para essas pessoas a ação é demorada mesmo”.
Adoções ilegais
Outra questão que permeia muito são as adoções ilegais e adoções diretas. “Uma vizinha sabe de alguém que vai ter uma criança que não vai dá conta de criar e a pessoas sabem de uma família rica, bonita. Uma família que adota nessas condições pode ter a criança retirada pela Justiça para que ela faça parte de um processo legal, claro e aberto”, alerta assistente social.
“Adoção ilegal tem muitos segredos, com alianças escusas que escondem a origem da criança. Tudo isso leva a autodestruição da criança, que cresce neurótica. Os segredos que permeiam a relação sócio familiar sempre tendem a levar a situações explosivas, onde existem agressividade, para emergir o segredo e quem é vítima desse segredo”, destaca Josefina Mourão.
Desde o contato da família com a criança sempre se fala a verdade. Toda a criança assimila a verdade desde cedo e os pais adotivos assimilam a importância de lidar com a história da criança. “Para muitos pais saber que seus filhos nasceram de pais usuários de drogas a tendência era esconder as crianças, aquele sentimento de vergonha pela mãe que abandonou o próprio filho. Mas hoje, a Vara da Infância trabalha a gratidão da mãe que gerou o filho, que permitiu que ele nascesse e chegasse à nova família”.
Para a assistente social, trabalhar essa gratidão pelos pais biológicos dá uma nova concepção da filiação por adoção para todas as famílias, a de origem e a que adotou que passam a ser na verdade uma grande família que vai proporcionar a criança crescer e se desenvolver no seio de uma família saudável, com relações saudáveis, sem esconder ou omitir a verdade.
Trabalhar com a ideia que as histórias de vida das crianças são sempre formada por capítulos e não tem como excluir o início. “Novos capítulos serão inscritos, mas nunca serão desvinculados dos primeiros, histórias que se complementam e quanto mais se inclui na vida da criança a verdade sobre sua origem mais fortalecida ela fica para o desenvolvimento de sua personalidade.
A maioria das pessoas que procura adotar crianças não tem filhos ou não conseguem engravidar, outras estão no segundo ou terceiro casamento onde as mulheres estão com idade mais avançada e não podem mais ter filhos.
Segundo a assistente social, as famílias estão mais abertas e perceptivas aos novos perfis de criança para adotar: crianças maiores, perfil predominante nos abrigos em todo o país. Em Rondônia está acontecendo uma mudança significativa as famílias têm procurado adotar crianças com 6 ou 7 anos e até com 11 anos de idade. Atualmente está em processo de adoção uma criança de 12 anos.
“Eu vejo a espera, a conquista, tudo isso, feito de forma legal, como um ato de amor e família, quero criar minhas filhas e meus netos”, finaliza Elias Pereira Galindo.
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