Ministério Público de Rondônia: Há 40 anos, sendo a voz daqueles que foram silenciados pela violência
Neste ano, o Tribunal do Júri, instituição-símbolo da Justiça Criminal completou 200 anos. Em seus primórdios, ele só julgava os chamados “crimes de imprensa”; depois, todo tipo de crime, mas, com o passar do tempo, passou a julgar apenas crimes dolosos contra a vida (tentados ou consumados), ou seja, em que o autor possui a deliberada intenção de cometê-lo, ou que assumiu o risco de produzir a morte. De acordo com a legislação brasileira, são eles: homicídio, infanticídio, aborto e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.
O Tribunal do Júri é famoso nas telas de cinema, especialmente nos filmes norte-americanos, mas na vida real, os últimos anos em Rondônia, estão sendo marcados por crimes brutais e julgamentos impactantes, como o assassinato, de forma cruel de Fabiana Pires Batista e do filho dela, Gustavo Henrique, de apenas 7 anos em uma área afastada, na zona Sul de Porto Velho.
Os detalhes do caso, parecem enredo de filme de terror ou de seriado. Tudo planejado e combinado por membros da própria família da vítima. Fabiana, foi atraída para o local do crime, pela irmã, Cátia Barros Rabelo, que a atacou com o objetivo de roubar o bebê da vítima que ainda estava na barriga. Após a realização do parto de maneira brutal, o corpo foi enterrado numa cova rasa. O filho de Fabiana, de apenas 7, sobrinho de Cátia, também foi assassinado no mesmo dia. Cátia contou com a ajuda do seu filho, Mário Barros do Nascimento para executar os crimes.
Segundo as investigações, Cátia mantinha um relacionamento com um homem no garimpo onde trabalhava e simulava estar grávida dele. Após o crime, ela passou a apresentar o filho de Fabiana como se fosse dela, com a intenção de receber benefícios financeiros do garimpeiro.
O crime ocorreu em 2019 e o Ministério Público de Rondônia, como voz daqueles que foram silenciados pela violência, pediu a condenação de Cátia Barros Rabelo e Mário Barros do Nascimento, e no último dia 16 de agosto, após mais de 20 horas de julgamento, o MP obteve no tribunal do júri, a condenação de Cátia, pelo crime de duplo homicídio qualificado, por corrupção de menores e ocultação de cadáver. Ela foi sentenciada a 53 anos de prisão em regime fechado. O segundo réu levado a julgamento, Mário, foi condenado a 1 ano e 14 dias pelo crime de ocultação de cadáver.
Atuação do Ministério Público
Nestes 40 anos de existência, o Ministério Público de Rondônia, vem atuando no Tribunal do Júri como defensor da sociedade. O promotor de Justiça, como fiscal da aplicação da Lei e da prestação jurisdicional, não serve apenas para acusar, apesar de ser o Ministério Público o titular da ação penal pública. O promotor empenha esforço visando à condenação do réu, nos casos de provas suficientes para a condenação. Desta forma, sua ação é em prol da sociedade, que é a maior beneficiada pela ação do Ministério Público, tendo em vista que interesses coletivos como ordem pública, segurança e justiça estão sendo preservados.
Para o promotor de Justiça Marcus Alexandre de Oliveira Rodrigues, que atuou no caso de Cátia, o Tribunal do Júri vai da terra ao céu e da terra ao inferno. “Esse caso foi um dos mais emblemáticos da história. A nossa atuação é 3% direito e 97% é política, religião, conhecimento de vida, amor, ódio. A partir do momento do crime, o advogado da vítima, quem vai defender os interesses, a memória póstuma do ofendido e evitar que a família sofra qualquer tipo de coação, ou pelo menos reprimir se isso acontecer, será o Ministério Público”, pontuou.
Segundo Marcus Alexandre, sua função no Tribunal do Júri é conhecer o processo de capa a capa. “Precisamos estudar e saber o que contém em cada folha, nos mínimos detalhes e termos a obrigação de lutar e usar todas as armas de proteção da sociedade. O ser humano é muito imediatista, e às vezes ele não enxerga que quando ocorre um crime na sua cidade, ele afeta a todos nós, porque a sua segurança, a minha segurança, mesmo a gente estando lá no nosso apartamento, no nosso condomínio, ou lá distante daquele bairro que aconteceu aquela morte, ele afeta a vida de todo mundo”, disse.
Para o promotor, “A vida, indiscutivelmente é o maior bem para o ser humano, seja do ponto de vista da ciência, da religião ou de qualquer outro segmento social e o homicídio é o pior crime de todos, ele é o fim da vida, e por isso a sociedade cobra a condenação dos acusados. Mas é importante destacar que o resultado do julgamento em si, não está nas mãos dos promotores e nem nas mãos da defesa, está nas mãos dos 7 jurados leigos (membros da comunidade), que são sorteados dentre uma lista de 25 indicados”, aponta.
40 anos de Avanços
Considerando a necessidade de articulação na adoção de medidas para enfrentamento e investigação dos crimes dolosos contra a vida, o Ministério Público de Rondônia instituiu em 2021, o Núcleo de Apoio ao Júri – NAJ.
De acordo com o promotor Marcus Alexandre, o NAJ está contribuindo para auxiliar os promotores de Justiça que desempenham suas funções no Tribunal do Júri, nos casos de maior complexidade ou de grande repercussão, mediante procedimentos operacionais a serem estabelecidos por seus membros.
Diante do número assustador de feminicídios em Rondônia, o Ministério Público de Rondônia criou também em 2018, a primeira Promotoria de Justiça do Brasil, com atribuições específicas em feminicídio, ou seja, voltada especialmente para a atuação no Tribunal do Júri em casos de homicídios dolosos praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. O objetivo principal é garantir que as vidas não se reduzam a números e que os crimes não fiquem impunes.
Por fim, o promotor apontou que o tribunal do júri tem vários inimigos. “Tem Ministro do Supremo Tribunal Federal, políticos, bancada do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, advogados, promotores e juízes querendo o fim do tribunal do júri. Muitos desqualificam a instituição, por não conhecerem sua importância. Chegamos ao plenário e a arma de fogo ainda está lá, com cheiro de pólvora, a faca com as lâminas sujas de sangue e a família chorando e sentindo dor. Estamos tendo uma enxurrada de assassinatos em Porto Velho e qualquer um de nós pode ser a próxima vítima. A sociedade acredita no nosso trabalho e por sua vez nos cobra o nosso empenho. O Ministério Público continuará atuando na defesa de todas as vítimas que foram silenciadas pela violência”, finalizou Marcus Alexandre.
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