Moradores do bairro mais antigo de Porto Velho contam relação de amor e mudanças da capital
Na varanda de sua casa, a professora aposentada Neuza das Graças Bento da Silva, de 67 anos, relembra as brincadeiras de criança que gostava da época de menina. Nascida e criada no Bairro Triângulo, o mais antigo de Porto Velho, foi lá que viu as belezas da capital de Rondônia, ensinou ao meninos da comunidade a importância de cada detalhes e também viu essas mesmas belezas desaparecerem rapidamente.
"Eu nasci aqui e lembro que era tudo tranquilo em relação à segurança. A gente podia dormir com as portas abertas que não tinha perigo, mas hoje tudo ficou perigoso. Brincadeiras de roda eram nossa diversão, correr no terreiro, boneca e muitas outras. Eu estudei na primeira escola da comunidade Franklin Roosevelt e quando cresci fui professora na escola. Era meu sonho que consegui realizar e sou muito feliz por ter essa história pra contar. Eu lembro que, aqui era tudo mato, depois foram chegando os moradores, tudo foi evoluindo e ficou a coisa mais linda, porque na beira do rio tudo é bonito porque é natureza. Hoje quando paro pra analisar como o bairro era antes, me dá uma tristeza no coração. Eu tenho esperança de um dia esse bairro voltar a ser pelo menos a metade de como era antes porque aqui abandonado" contou a moradora.
Assim como a professora Neuza, outros moradores falam de saudade e alegrias vividas no bairro mais antigo de Porto Velho, no dia em que se comemora o aniversário de 103 anos da capital. Cada detalhe vivido, cada lembrança está guardada na memória, em fotografias e também nas lágrimas.
Sentado em uma cadeira e com fotografias antigas guardadas em uma bolsa, Jorge Cunha, de 61 anos, pai de quatro filhos, chegou a Porto Velho em 1990, viu o Bairro Triângulo se desenvolver e relembra as mudanças durante o tempo e se emociona ao ver a fotografia da sua antiga casa que foi destruída pela enchente de 2014. “Estou aqui há 27 anos e antigamente nosso bairro era muito bom. Lindo e cheio de fartura até chegar as usinas que destruíram tudo o que construímos com nosso trabalho. Eu lembro como se fosse hoje, quando o trem passava em frente minha casa e era aquela alegria. Eu, minha esposa e nossos filhos passeávamos na Maria Fumaça até a Cachoeira do Teotônio lá onde é a usina hoje. Agora, o que a gente vê é apenas o abandono e o mato tomando de conta de tudo. Dá uma tristeza de ver tudo isso esquecido. Quando não tinha nada pra comer a gente pescava um peixe, ia ao terreiro pegar uma mandioca e banana, mas hoje nossa realidade é outra”, lamenta.
A emoção também toma conta das lembranças da dona de casa Maria de Fátima, de 60 anos. Casada há 32 anos, ela enche os olhos d’água ao contar que sempre gostou de morar na beira do rio, mas se entristece ao ver seu bairro abandonado.
Mas, cada detalhe ainda está em vivo na memória. “Antigamente, lá na beira do rio onde eu morava, era a coisa mais linda porque tinha as estradas que eram conservadas e a paisagem do rio que nos encantava. Quando eu cheguei aqui meus filhos eram pequenos ainda e naquela época a gente andava no trem todo final de semana. Também recordo de ver muitas mortes no trilho da Maria Fumaça porque os bêbados deitavam na trilha para dormir e quando vinha o trem eles eram esmagados. Analisando como meu bairro era antes e como está home o sentimento é de muita tristeza porque tudo se acabou. Tem ruas que não existem maios porque desbarrancou tudo na beira do rio. “Se Deus permitir, eu vou comprar outra terrinha para morar na beira do rio”, conta emocionada.
Embaixo de uma varanda, o canário perfeito para um bate-papo com o seu Manoel Bento, de 79 anos, um dos mais antigos moradores do Bairro Triângulo, ele conta um pouco da história do lugar onde mora desde quando tinha 5 anos. “Quando cheguei aqui isso tudo era mato e não tinha estrada para andar, a gente que foi construindo vários caminhos para passar. A primeira escola que estudei foi no Dom Bosco e lá que fui alfabetizado. Nessa época, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré já existia e era nossa maior alegria ver aquele trem andar. A maioria das casas aqui era de madeira ou palha. Eu me lembro da primeira rádio que foi criada aqui que se chamava a “Voz da Cidade”. Através dela que a gente mandava recados para os amigos. O que mais a gente ouvia era os rugidos de onça e gritos dos macacos que era o que mais tinha aqui por causa da mata. Hoje, muitos anos se passaram e toda a beleza do bairro foi se acabando e depois da cheia de 2014, ai que ficou abandonado mesmo”, relembra o morador.
A construção das usinas hidrelétricas no Rio Madeira atingiu muitos moradores ribeirinhos de Porto Velho. Em 2014, com a maior cheia da história do Rio Madeira, o Bairro Triângulo foi um dos mais afetados.
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