Porto Velho, uma luz para preservação do seu patrimônio
O Jornal RONDONIAGORA inicia série sobre a preservação do patrimônio histórico de Porto Velho; após 104 anos, ativistas, promotores, políticos e agentes públicos resolveram criar estratégia para preservar a história da cidade
A demolição do Edifício Resky localizado no número 239-A da rua Barão do Rio Branco gerou grande repercussão nas redes sociais no dia 14 de julho. Naquele domingo, uma empresa privada colocou abaixo 59 anos de história. O prédio foi construído em 1960 pelo saudoso João Resky. Segundo seus herdeiros, o local abrigará um moderno centro comercial e será batizado com o nome da família.
Embora a acachapante maioria dos internautas tenha se colocado favorável à preservação da história da cidade, a verdade é que só agora, 104 anos depois, o município de Porto Velho passou a se preocupar com a questão. A responsabilidade não recai apenas ao Poder Executivo, mas também aos órgãos de controle e proteção ao cidadão, a exemplo do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a Câmara de Vereadores.
Desde o ano de 2017, representantes desses organismos tem se reunido para discutir a preservação dos monumentos e edificações históricas de Porto Velho. Segundo o vereador e historiador Alex Palitot, ativistas, arqueólogos, arquitetos e membros do MPF e MP iniciaram um amplo debate para formalização de uma Legislação que protegesse as áreas históricas e chamaram a responsabilidade da Prefeitura. No esteio do debate foi criada a Lei 752, de 19 de dezembro de 2019 de autoria do Executivo dispondo sobre “a preservação do Patrimônio Cultural e Natural do Município de Porto Velho, convalidando a Setorial Municipal do Patrimônio Histórico, o Sistema e o Fundo Municipal de Patrimônio de Porto Velho”.
O próximo passo foi definir o que é o Centro Histórico de Porto Velho. “Todo mundo aqui sabe qual o centro histórico, mas precisava constar em Lei”, disse Palitot. E assim foi feito. A Lei 2568 de 16 de janeiro de 2019 “Institui o Centro Histórico do Município de Porto Velho”. Os incisos I e II do Artigo 1º delimitam o circuito histórico: Vila de Santo Antônio; o espaço da ocupação da empresa ferroviária que inclui além do pátio ferroviário; os bairros Cai N’água, Triângulo e Candelária, bem como o iconográfico Barbado és Town ou Alto do Bode; e os antigos bairros da Favela e Alta da Favela hoje atual Centro, Mocambo, Caiari e Arigolândia.
Bairros históricos
Palitot também tomou outras providências. Elaborou projeto de Lei reconhecendo alguns bairros como históricos para garantir a preservação de residências construídas há décadas. Estão inseridas no texto legal a Baixa da União; Liberdade; Mato Grosso; Militar; Nacional; Nossa Senhora das Graças; Panair; Quilômetro 1; Rio Madeira; Santa Bárbara; Tucumanzal; e Tupi.
O próximo passo, segundo Palitot, é fazer gestão junto ao Executivo para criar e aprovar projeto de Lei reduzindo progressivamente o valor do IPTU para os comerciantes e moradores de prédios antigos que preservarem as fachadas originais. “O prefeito já demonstrou ser favorável à criação de políticas públicas para que haja incentivo para preservação do patrimônio”, explica o vereador. A avenida 7 de Setembro com José Alencar é um exemplo, segundo ele. Caso a empresa que ocupa a edificação retire a atual configuração visual, a cidade poderá olhar para o passado com a fachada original. Mas a ideia do vereador não é tão simples. O Executivo precisa debater esse incentivo fiscal com os órgãos de controle externo e interno já que se trata de renúncia de receitas.
Amplo estudo
O presidente da Fundação Cultural de Porto Velho, museólogo Antônio Ocampo, defendeu a importância da Lei de preservação do Patrimônio Cultural e Natural do Município de Porto Velho, mas fez um alerta: há muito trabalho a se fazer. O ponto inicial passa pela organização administrativa do novo ente público criado pela norma. A futura Divisão de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DIPHAC) terá por objetivo a realização de estudos técnicos junto com a Setorial de Patrimônio integrante do Conselho Municipal de Cultura para proceder o tombamento dos “bens móveis ou imóveis de natureza material e imaterial”. Segundo Ocampo, a tarefa não é simples, pois será necessário quadros técnicos e a realização de um trabalho criterioso para não causar prejuízo a terceiros. “Você já imaginou sua residência ou comércio tombado como patrimônio histórico? Pode ser benéfico ou trazer transtornos porque há uma série de implicações após essa classificação”, explicou o presidente da Funcultural.
Herdeiro da família Resky defende investimentos
Em nota nas redes sociais, o empresário Waldeney Resky defendeu os investimentos na propriedade da família. O local onde o herdeiro passou sua infância abrigará o “Centro Comercial Resky”. Segundo ele, o processo de demolição passou por um rígido processo de aprovação da Prefeitura após “meses de documentações e sofrimentos”. “Ressalto ainda, que o imóvel foi construído pelo meu falecido pai( Sr. João Resky), nos idos de 1960, não é tombado, não possui arquitetura barroca, vitoriana, gótica ou que justifique fazer parte do patrimônio material ou imaterial da cidade, por ser um prédio comum, como tantas outros da cidade que envelheceu. O projeto visa ser inovador, no sentido de revitalizar o centro antigo da cidade e gerar empregos, renda e demais benefícios inerentes à modernização”, justificou Waldeney.
Na nota, o empresário demonstra certo descontentamento com a Câmara de Vereadores por ter tentando nominar a rua do futuro empreendimento de João Resky, mas esbarrado na burocracia e má vontade política. “À época questionei: embora o Barão do Rio Branco seja um personagem da história do Brasil, meu pai representou e fez pelo desenvolver desta cidade, bem mais que o Barão em questão. Infelizmente meu pedido não foi adiante, sendo sequer apreciado e desde então, acalento este sonho de homenageá-lo”, lamentou. No passado, a Barão do Rio Branco já foi chamada de Rua dos Portugueses.
Por fim, o herdeiro da família Resky fala da dor pessoal em demolir o prédio. “A luta interna para decidir pôr abaixo as paredes, foi dolorida, mas concluí que neste caso, não estava a demolir a história de Porto Velho e tampouco a minha, eu estava a refazer, como descendente, garantindo a preservação e a história do nome de nossa família, entregando agora, aos meus descendentes um novo capítulo deste amor por minha terra natal. Me senti e me sinto, perpetuando e não destruindo nada”, disse ele.
O descendente de João Resky tem suas razões. Até hoje, o poder público não tratou do assunto de forma definitiva. Algumas ações de caráter solitário foram enveredadas por poucos interessados na preservação da história da cidade de Porto Velho. Houve um momento em que até ações judiciais foram ajuizadas para evitar que o antigo Cine Teatro Resky fosse descaracterizado para utilização de uma igreja evangélica. Tudo em vão porque não havia legislação pertinente em defesa do patrimônio histórico. Após 104 anos, essa história pode mudar, basta esforço de todos que nasceram ou adotaram Porto Velho como sua terra natal.
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