A energia chegou, mas faltam água e transporte para os alunos
Território de antigos seringais do primeiro ciclo da borracha na metade do século 19, Terra Firme tornou-se um dos primeiros povoados ribeirinhos a receber energia através de unidades com kits de placas fotovoltaicas e conversores capazes de abastecer uma residência com freezer, geladeira, condicionadores de ar, várias lâmpadas e garantir a inserção dessa comunidade no mundo digital através da internet rural. Embora antigo, o local não tinha energia até a semana passada, e quem quisesse tê-la era obrigado a desembolsar até R$ 14 mil de financiamento bancário. Foi o caso da agricultora Maria de Fátima Batista dos Santos, presidente da Associação de Produtores e Produtoras Rurais e Extrativistas de Nova Esperança, uma liderança local e incentivadora da prática esportiva dos jovens da região.
Com a chegada da energia, cujos kits foram cedidos pela iniciativa privada em parceria com o Governo Federal, Maria de Fátima alegrou-se porque agora é possível recorrer a internet para iniciar estudos, aprimorar o conhecimento dos alunos, e o melhor: poder conversar em tempo real com as autoridades municipais e estaduais para recorrer a melhorias para o povoado. Resolvido o problema da energia, Terra Firme persiste na briga pela água potável. Por lá, vivem 27 famílias, que sobrevivem com cultivo da mandioca, banana, feijão e batata-doce. A farinha é comercializada em Porto Velho, e como não há transporte ofertado pelo poder público, o atravessador compra barato e se encarrega de pagar o frete até a Capital. Na visita aos vizinhos, acompanhados de equipe de servidores da prefeitura, dona Fátima explica que os moradores aproveitam o período do inverno para captar água das chuvas através de um sistema artesanal nos telhados, aplicar cloro e depois usar para o consumo. Para lavar louças e tomar banho, os ribeirinhos puxam água através de bombas submersas no rio Madeira.
“Desde o ano de 2008, estamos na batalha pelos poços artesianos”, disse a dirigente da entidade rural. No ano passado, a Defesa Civil levou 380 pacotes de água potável, mas os estoques estão terminando e, apesar dos ofícios, não se obteve resposta de outro carregamento de água mineral. Acompanhando a equipe da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (Semes) no périplo pelo baixo Madeira, a deputada Mariana Carvalho lembrou de uma emenda de sua autoria para construção de poços artesianos em várias localidades às margens do caudaloso rio. O projeto encontra-se na Secretaria Municipal de Resolução Estratégica de Convênios e Contratos (Semesc). Enquanto não vence a burocracia inerente a administração pública, Terra Firme se vira como pode, captando água da chuva e sobrevivendo com apoio da Defesa Civil Municipal. “Chegou a energia, agora falta a água”, lembra dona Maria de Fátima.
Garimpo está destruindo o futuro de nossas crianças
Além da água, há dois graves problemas enfrentados pelas comunidades ribeirinhas. As consequências do garimpo no rio Madeira operando com balsas e a falta do transporte fluvial para as crianças poderem ir à escola têm sido gravíssimas. “É duro perder nossos jovens para o garimpo”, disse um morador de Nazaré, confirmando a informação da presidente da associação rural, sobre o assédio de garimpeiros por mão de obra infantil e a exploração de meninas ao longo do Madeira. Ociosos, alguns vão pela facilidade em obter uma renda para manter-se nessa região isolada dos grandes centros, mas tornam-se mais um número nas estatísticas de abusos, analfabetismo e exclusão social.
A Semes, idealizadora do programa Talentos do Futuro, esteve visitando Terra Firme para implantar uma escolinha de futebol para meninos e meninas. A equipe atendeu o convite da dirigente da entidade, que enxergou no projeto uma forma de ocupar os jovens e tentar dissuadi-los da ideia de retornar aos garimpos no verão. Nas vilas de Ressaca, Ilha Nova, Ilha de Assunção, Gleba Rio Preto e Terra Firme são mais de 200 crianças fora das salas de aula. Quem quiser estudar, precisa se mudar para Calama, última cidade de Porto Velho.
Dona Maria de Fátima nos seus 58 anos lembra da riqueza de Terra Firme no passado. Havia duas escolas, uma municipal e estadual, delegacia de polícia, comércios abastados, mas na época em que a localidade era controlada pelo estado do Amazonas. “Mas com muito esforço, vamos reconquistar nossa prosperidade”, disse a dirigente rural.
O que diz o Ministério Público
Em contato com a assessoria do Ministério Público, o órgão informou que já há um inquérito instaurado pela Polícia Civil para apurar a exploração infantil nas balsas de garimpo no Madeira. A denúncia também foi encaminhada ao Ministério Público Federal para que sejam adotadas providências também em relação a preservação ambiental, e a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semasf) tem prazo para informar quais medidas protetivas foram tomadas para evitar o trabalho infantil e os abusos a adolescentes nestas dragas.
Em relação ao transporte fluvial, o MP ajuizou uma Ação Civil Pública apurando responsabilidades e pedindo a mitigação dos prejuízos educacionais decorrentes da não prestação dos referidos serviços.
Quanto aos poços artesianos, os processos estão tramitando na Semesc, onde é obrigatório a produção de projetos, pedido de concessão de licenças ambientais e a licitação dos projetos estruturais.
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