APÓS POSIÇÃO DE ORESTES MUNIZ, OAB NACIONAL DIZ QUE PEC DO GOVERNO SOBRE PRECATÓRIOS É CALOTE PÚBLICO
O presidente da Comissão Especial de Defesa dos Credores Públicos (Precatórios) do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Orestes Muniz Filho, encaminhou ao senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) documento contendo a posição contrária da OAB em relação à PEC 12 de autoria do senador Renan Calheiros, por considerá-la altamente desmoralizante para o Poder Judiciário, além de instituir o calote aos credores públicos. O documento da OAB foi entregue em mãos ao senador gaúcho pelo conselheiro federal Luis Carlos Levenzon e que estava acompanhado do presidente da Seccional da entidade no estado, Cláudio Lamachia. O senador Zambiasi é membro da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Os integrantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, considerando a tramitação no Senado Federal da PEC 12/2006, vêm a V. Exa. expor alguns pontos de vista que têm sido objeto de estudos e reflexões ao longo dos últimos anos no âmbito desta Entidade:
Segue, na íntegra, o documento encaminhado ao senador Sérgio Zambiasi:
Os integrantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, considerando a tramitação no Senado Federal da PEC 12/2006, vêm a V. Exa. expor alguns pontos de vista que têm sido objeto de estudos e reflexões ao longo dos últimos anos no âmbito desta Entidade:
Inicialmente, deve ser dito que o problema existente decorrente do não-pagamento de precatórios judiciários pelos Estados e Municípios significa ameaça ao estado de direito e à independência dos Poderes, bem como desprestígio das instituições. Isto porque a ordem jurídica se revela ineficaz e inoperante contra os entes públicos quando o Poder Judiciário não tem autoridade para fazer valer suas decisões. O direito dos cidadãos contra o Estado fica postergado por períodos tão longos que muitos credores chegam a falecer sem receber o que de direito lhes pertence.
O não-pagamento dos precatórios significa o descumprimento da Constituição da República, legitimamente promulgada pelo Poder Legislativo.
As causas da crise no pagamento decorrem, dentre outros fatores, de diversas interpretações dadas ao artigo 100 da Constituição Federal, que terminaram por desarmar o Poder Judiciário diante do Estado, ficando o julgador sem instrumento para fazer valer suas decisões. O fluxo do tempo fez com que o volume da dívida decorrente do não-cumprimento dos precatórios judiciários aumentasse significativamente, chegando a valores bastante expressivos. Estima-se o passivo judicial dos Estados e Municípios em valores superiores a sessenta bilhões de reais.
O instituto do precatório a ser pago de acordo com a ordem cronológica de apresentação foi criado na Constituição de 1934 com a finalidade de moralizar o pagamento das dívidas judiciais por parte dos entes públicos. Na época anterior àquela Carta, o Estado cumpria apenas as decisões judiciais que queria, e o juiz não tinha meios coercitivos de fazer valer seus julgados contra o Poder Público.
A moralização consistiu no estabelecimento da ordem cronológica para pagamento dos precatórios, tal como se encontra ainda hoje previsto no texto constitucional vigente. Ocorre, entretanto, que, estando hoje o Poder Judiciário sem instrumentos para coagir o Estado a cumprir suas decisões, a fila da ordem cronológica de pagamentos é movimentada em ritmo bastante lento, em desrespeito aos prazos previstos no próprio artigo 100 da Constituição, sem que nada seja feito para corrigir o problema.
Em relação aos créditos de natureza alimentícia, as interpretações dadas ao texto da Carta terminaram por inverter a ordem de prioridade estabelecida em relação aos créditos comuns. No texto original da Constituição, tal como se encontra redigido até hoje, o constituinte usou a expressão "à exceção dos créditos de natureza alimentícia", numa clara alusão a que estes créditos deveriam ser pagos diretamente, sem precatório.
Quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 30, de 2000, o Poder Constituinte derivado entendeu por bem parcelar os créditos comuns decorrentes de precatórios vencidos e não pagos, em 10 (dez anos). Os créditos de natureza alimentícia foram excluídos do parcelamento, numa evidente demonstração de que deveriam ser pagos de imediato. A mesma norma acrescentou ao artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o § 4º, permitindo que o Presidente do Tribunal competente expedisse a ordem de seqüestro no caso de não-inclusão no orçamento de vencimento do prazo sem pagamento ou preterição ao direito de precedência na ordem de apresentação dos precatórios.
Naquele ano de 2000, o fundamento para o parcelamento era que precisava encontrar uma solução para o montante dos precatórios acumulados.
Se para o pagamento das parcelas o Poder Constituinte dotou o Poder Judiciário de instrumentos para exigir o cumprimento da norma, como é o caso da possibilidade de expedição de ordem de seqüestro, com mais razão teria aparelhado a Justiça para exigir o pagamento dos precatórios de créditos de natureza alimentícia. Ocorre que a interpretação atualmente prevalente é no sentido de que a ordem de seqüestro somente poderia ser expedida no caso de não-pagamento das parcelas dos créditos comuns ou no de preterição do direito de precedência. Isto resultou também no "calote" do pagamento dos créditos alimentícios.
Hoje, no Brasil, estamos vivendo um momento de intenso sofrimento de pessoas realmente necessitadas. São créditos resultantes de ações indenizatórias a favor de pessoas que têm necessidades especiais, velhinhas, aposentados e pequenos comerciantes. O pagamento dos precatórios não pode ser tratado com descaso.
A PEC 12/2006, de autoria do senador Renan Calheiros, por inspiração do ex-Ministro Nelson Jobim, tem a qualidade de trazer o problema à tona, procurando uma solução. Todavia, a proposta nela contida é a pior possível, com a idéia de estabelecimento de leilões públicos para recebimento por parte dos credores. Da forma com que foi elaborada, a PEC acaba com a ordem cronológica dos precatórios, bem como com a preferência aos créditos de natureza alimentícia, além de afrontar a coisa julgada, inclusive soberana, na maioria dos casos, ferindo cláusula pétrea da Constituição.
A proposta contida na PEC 12/2006 é altamente desmoralizante para o Poder Judiciário e também para o Poder Legislativo que já promoveu duas moratórias recentes para tentar resolver a questão, e os Estados sempre deixam de cumprir. E pode ferir seriamente a imagem do país no exterior, onde se busca demonstrar ser o Brasil um local seguro para investimentos.
A partir do momento em que se divulgar, mundo afora, que no Brasil as decisões do Poder Judiciário contra o Estado somente são cumpridas por meio de leilões nos quais os credores são obrigados a dar descontos ou não receber seus créditos, obviamente a segurança dos investidores ficará abalada, com prejuízos para o país.
Permitir-se que o próprio Estado se aproprie de créditos decorrentes de decisões judiciais, como dito, é altamente desmoralizante para o Poder Judiciário Nacional, de modo particular, e para o país como um todo.
Por outro lado, há diversas inconstitucionalidades na PEC 12/2006 na forma com que se encontra elaborada.
Assim, no nosso entendimento, a PEC 12/2006 precisa ser reformulada para contemplar pontos de negociação que atendam principalmente aos aposentados, às velhinhas, aos cidadãos de um modo geral e aos credores do Estado, preservando-se a segurança jurídica no país e a imagem do Poder Legislativo e do Judiciário.
Proposta
A Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio da Comissão Especial de Defesa dos Credores Públicos (Precatórios), bem como do Conselho Federal, desenvolveu a redação de um texto substitutivo prevendo a criação dos chamados "juízos conciliatórios" no âmbito dos Tribunais, em substituição aos leilões de deságio, de forma que todos aqueles que quiserem antecipar seu recebimento de créditos contra o Poder Público possam oferecer descontos, na presença do Poder Judiciário, que poderá homologar a transação que vier a ser celebrada.
A proposta de substitutivo elaborada pela OAB prevê também a possibilidade de os Estados e Municípios abaterem os valores que pagarem, relativamente aos precatórios vencidos, dos juros da dívida para com a União. Observa-se que os Estados transferem para a União, somente a título de juros da dívida para com esta, importância superior a vinte e cinco bilhões de reais anuais. Nos contratos pelos quais foi federalizada a dívida pública estadual, a União exige o pagamento de juros de 9% (nove por cento) ao ano, além da correção monetária.
É preciso que a União participe do esforço para a solução da grave crise que envolve o não-pagamento de precatórios. Os Estados, que já sofrem vinculações relacionadas à folha de pagamentos, à educação e à saúde, têm cerca de 13% (treze por cento) da respectiva arrecadação comprometida com os juros da dívida para com a União. Estes valores são cobrados religiosamente, já que o Governo Federal dispõe de mecanismos para reter as quotas relativas aos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios.
Portanto, sem que a União tenha que abrir mão do principal da dívida que os Estados têm para com ela, mas contribuindo apenas com a redução, mesmo que parcial, dos
juros ou diferindo-os em um período em que as taxas estão efetivamente diminuindo, poderá haver possibilidade de solução para o problema. Ressalte-se que, somente com os valores relativos aos juros transferidos anualmente para a União, se destinados ao pagamento de precatórios, em apenas dois anos e meio a dívida judicial, em termos gerais, estaria quitada.
O restabelecimento da autoridade do Poder Judiciário, através da possibilidade de expedição de ordem de seqüestro das verbas na hipótese de descumprimento das regras constitucionais relativas ao pagamento de precatórios, é fundamental para que não se criem outros passivos, outras "bolas de neve" decorrentes da não-quitação das obrigações reconhecidas pelo Poder Judiciário nos momentos previstos. Observa-se que muito da crise atual decorre desta falta de mecanismos coercitivos por parte do Judiciário. A ausência de poder coercitivo leva à inadimplência, por se tratar de situação em que o credor não tem mecanismos de cobrar seus créditos vencidos.
Por fim, também a criação de um sistema financeiro lastreado na dívida ativa estadual/municipal exclusivamente para o pagamento de precatórios judiciários consiste em alternativa válida, haja vista que todos os entes da Federação têm créditos inscritos em dívida ativa superiores ao que devem de precatórios não pagos. A agilização da cobrança da dívida ativa, com destinação ou vinculação ao pagamento de precatórios, pode ser uma solução que harmonize a textura social brasileira no tocante ao respeito às decisões do Poder Judiciário.
A verdade é que a redação da PEC-12 tal como se encontra hoje causa prejuízos a milhares de trabalhadores que são credores dos Estados e Municípios.
Na expectativa de que estejamos contribuindo com propostas a serem objeto de negociação no Congresso Nacional, aguardamos a colaboração e o empenho de Vossa Excelência no sentido de ajudar a solucionar questão que afeta a sociedade como um todo quando as decisões judiciais não são respeitadas.
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