Caso Valter Nunes: Veja decisão de juiz que negou segredo de Justiça no processo
O pedido de segredo de justiça na tramitação do processo contra Cássio de Jesus Claros e Jonas de Freitas, acusados de matar o advogado Valter Nunes, foi negado pelo juiz substituto Paulo José do Nascimento, que responde pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Cacoal (RO). Veja decisão na íntegra:
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Os advogados constituídos pelos réus Cássio de Jesus Claros (Dr. Roberto Sidney M. de Oliveira) e Jonas de Freitas (Dr. Rouscelino Passos Borges) peticionaram pela juntada de procuração, tendo o primeiro ainda requerido carga dos autos. Conforme despacho proferido pela autoridade policial (fl. 233) foi decretado “segredo de justiça” durante a tramitação do Inquérito Policial, contudo, quando do recebimento da denúncia nada foi decidido quanto a extensão do “segredo de justiça” à fase de instrução em juízo, o qual passo decidir juntamente com o pedido apresentados pelos advogados acima citados. Considerações sobre a decretação do “segredo de justiça” e a limitação de acesso aos autos na fase inquérito e na instrução penal. A publicidade dos atos processuais é princípio constitucional e está previsto em dois dispositivos:
1) art. 5º, LX (a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem);
2) art. 93, IX (todos os julgamentos dos Órgãos do Poder Judiciário serão públicos [...] podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes). Trata-se do princípio da publicidade, mundialmente consagrado nas legislações de países democráticos (art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos), e art. 6º da Convenção Européia dos Direitos do Homem. Se é certo que a publicidade é benéfica para o julgamento, também é correto que o excesso de publicidade pode influir negativamente nas investigações e na decisão da causa.
Vemos todos os dias a mídia influindo na formação de opinião da população, como no recente caso da morte da criança Isabella Nardoni, etc. Muito se discute acerca da constitucionalidade do chamado “segredo de justiça”, que vem sendo decretado em processos que apuram casos rumorosos. A persecução penal desenvolve-se em duas fases distintas: a) fase policial, que, via de regra, é instrumentalizada em um inquérito policial; b) fase judicial, em que estão presentes todos os princípios constitucionais atinentes ao processo (devido processo legal, contraditório e ampla defesa).
A fase policial é investigativa e não há necessidade de ser observado o contraditório, uma vez que se trata de procedimento administrativo, que visa carrear para os autos elementos necessários para a apuração de crime e de sua autoria. Tem a finalidade de trazer elementos para que o Promotor de Justiça, titular da ação penal pública, possa formar sua opinio delicti. Por isso, não é procedimento em que são obedecidos princípios concernentes à fase processual, tanto que sequer há necessidade de a pessoa que está sendo investigada ser avisada da instauração do procedimento e do rumo das investigações, dele ficando sabendo no momento próprio, que via de regra é o interrogatório e formal indiciamento. Com efeito, as investigações devem ser efetuadas sob sigilo, para que possam ser bem sucedidas. Também é exigido o sigilo a fim de que a pessoa investigada não seja exposta à execração pública, que infelizmente tem ocorrido em vários episódios noticiados pela imprensa. Portanto, no inquérito policial, o sigilo é a regra, como se depreende do art. 20 do CPP, que diz: “A autoridade assegurará no inquérito policial o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. Não há, assim, qualquer violação à ampla defesa e ao contraditório quando o inquérito policial tramita em “segredo de justiça”, pois a sua natureza é sigilosa e a publicidade de seus atos é a exceção. Por outro lado, a fase judicial é pertinente à instrução do processo, em que as provas são colhidas sob o crivo do contraditório e há estrita obediência à ampla defesa (devido processo legal). Nessa fase, a regra é a publicidade dos atos processuais, de acordo com o disposto no art. 792 do CPP: “As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos...”. Entretanto, esse mesmo artigo, em seu § 1º, determina que “se da publicação da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, o tribunal, câmara ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes”.
Diante desse dispositivo, percebe-se que o próprio ordenamento processual penal já prevê hipóteses em que há necessidade do segredo de justiça em situações excepcionais. Mas é a própria Constituição Federal que nos traz a exceção quanto ao princípio da publicidade dos atos processuais, no art. 5º, inciso LX: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Dessa forma, quando houver o início da ação penal com o recebimento da denúncia, o Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, determinar que o processo tramite em “segredo de justiça”, quando perceber pela prova produzida no inquérito policial que os fatos em apuração poderão trazer sério gravame à intimidade das pessoas que estiverem de algum modo (direta ou indiretamente) envolvidas nos fatos em discussão, ou quando houver interesse social na manutenção em segredo desses fatos.
Diz, sobre o assunto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: ”A determinação da tramitação do processo em “segredo de justiça” não fere nenhum princípio constitucional e nem processual penal. A Constituição Federal, no inciso LX de seu art. 5º, permite a tramitação do processo em segredo de justiça e a lei processual em seu art. 792 também o permite”. (HC 344.649-3/1-00, 2ª C. Crim., rel. Almeida Braga, v.u., j. 07.05.2001). Há quem defenda que o sigilo deve ficar restrito apenas às sessões de julgamento, às audiências e aos atos processuais, em uma interpretação restritiva tomando-se por base o art. 792, § 1º, do CPP. Contudo, não entendemos dessa forma. A decretação do “segredo de justiça” tem por propósito a preservação da intimidade das pessoas ou a defesa de um interesse social. Assim, não há sentido manter em segredo apenas os atos processuais e tornar público o processo, uma vez que assim agindo os atos processuais protegidos também se tornarão públicos, quebrando o segredo de justiça. O objetivo do “segredo de justiça” é impedir que o público em geral tenha acesso aos autos para a preservação da intimidade das pessoas envolvidas no processo ou procedimento, e para proteger um interesse social, como o normal andamento do processo quando a divulgação das provas possa levar a uma sentença equivocada.
Dessa forma, a tramitação do processo em “segredo de justiça” não fere nenhum direito constitucional, uma vez que a própria Constituição Federal e o Código de Processo Penal o permite (art. 5º, inciso LX, e art. 792 do CPP). Também não há cerceamento de defesa na decretação do “segredo de justiça”, uma vez que o sigilo é somente para o público em geral, não podendo ser oposto ao réu e a seu Defensor, que poderão ter acesso aos autos a fim de ser propiciada a mais ampla defesa.
Ocorreria o cerceamento de defesa se não fosse permitido ao réu ou a seu Defensor o acesso aos autos, que não é o caso. Destarte, em se tratando de inquérito policial, a regra é o sigilo e a exceção a publicidade. Já no processo judicial, a regra é a publicidade de todos os atos e a exceção o sigilo, sendo que o “segredo de justiça” somente poderá ser decretado naqueles casos expressamente previstos em lei e desde que a decisão seja devidamente fundamentada pelo Magistrado competente para a análise da causa.Volto ao caso concreto.
Durante a tramitação do inquérito policial foi necessária a decretação do “segredo de justiça” em face às complexidades das investigações, do risco as testemunhas e da ventilada periculosidade das pessoas envolvidas. Contudo, uma vez relatado o inquérito, ofertado denúncia, a qual foi recebida por este Juízo em 08.01.2010 (fls. 03/04), não verifico na hipótese em tela, a existência de circunstâncias fáticas a indicar a necessidade de o feito, nesta fase processual, transcorrer em segredo de justiça, seja por interesse de ordem pública ou, então, em razão de defesa da intimidade dos réus, a publicidade (e não a execração pública ou o sensacionalismo) é de rigor. Assim sendo, nada justificaria, em princípio, a impingência de qualquer restrição à publicidade do feito e acesso das partes aos autos de ação penal, permanecendo em “segredo de justiça” apenas as peças ainda não incorporadas aos autos, a exemplo das quebras sigilos bancários e telefônicos que tramitam em autos incidentais apartados, cuja as diligências não foram concluídas. Saliento que tais procedimentos serão oportunamente apensados ao presente feito, com a devida ciência as partes. No mais, junte-se as petições apresentadas pelos causídicos citados anteriormente, ficando desde já deferido carga rápida dos autos, por 02 horas, aos advogados habilitados e que se habilitarem nos autos para extração de cópias. Outrossim, junte-se ainda ao presente feito, cópia do pedido apresentado em favor da ré Vera Lúcia requerendo a conversão da prisão para a forma domiciliar, do despacho de indeferimento do pedido de prisão domiciliar, da petição de habeas corpus apresentada ao TJ/RO e do Ofício que prestou as informações. Igualmente, junte-se cópia do pedido de revogação de prisão preventiva requerida em favor do réu Sóstenes Alencar e do despacho proferida pela Juíza Plantonista que indeferiu o pedido.Intime-se. Ciência às partes. Cacoal- RO, terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Paulo José do Nascimento Fabrício - Juiz Substituto
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