Estado descumpre sentença judicial, prossegue com licitação e aceita documentos da própria empresa denunciada
Uma sentença judicial da juíza Inês Moreira da Costa, da 1ª Vara de Fazenda Pública de Porto Velho, de 4 de fevereiro deste ano, está sendo descumprida pelo Governo de Rondônia, com o aval da Procuradoria Geral do Estado (PGE), segundo informam documentos obtidos pelo RONDONIAGORA. O processo diz respeito a uma Ação Cautelar apresentada pelo Instituto de Neurocirurgia da Amazônia Ocidental (Inao) contra reiteradas decisões ad Superintendência de Licitações que estavam beneficiando a empresa Neomed Atendimento Hospitalar, acusada de utilizar documentos falsificados no processo de licitação para contratação, por parte do Estado, de empresa especializada em serviços de neurologia cirúrgica hospitalar, ambulatorial clínica e neurologia pediátrica.
A sentença foi clara, determinando ao Estado a realização de diversas diligências para comprovar as denúncias apresentadas contra a Neomed, a principal delas, de que os atestados de capacitação técnica apresentados, oriundos de supostos serviços prestados às empresas Utisotrauma e Cliniprev Diagnósticos, teriam informações inverídicas, uma vez que os representantes dessas empresas deram informações distintas das que constam do atestado de capacitação, o que deveria ter sido analisado pela pregoeira responsável pelo certame. Esses indícios gerariam a desabilitação da Neomed, o que não ocorreu.
Na sentença, a juíza destacou que as denúncias são bem graves. “Cumpre delimitar a lide no sentido de que as acusações contra a demandada não são embasadas exclusivamente pelo teor de uma matéria veiculada por jornal local de Mato Grosso, mas por documentos idôneos a contraditarem as informações constantes dos atestados de capacidade técnica apresentados pela empresa Neomed nos autos do procedimento licitatório deflagrado pelo Estado de Rondônia. Percebe-se, ainda, que a empresa vencedora de grande parte dos lotes do pregão, empresa Neomed, apresentou atestado de capacidade técnica emitido pela empresa Utisotrauma, com indícios de irregularidade, sendo o mesmo que teria sido utilizado no Pregão do Mato Grosso, onde foi constatada tal irregularidade”.
Como denunciou o jornal ao longo de uma série de reportagens durante o ano, a empresa venceu a disputa e ganhou contratos da ordem de R$ 7.616.832 para atender o Hospital de Base, Hospital Infantil Cosme e Damião, Policlínica Oswaldo Cruz e Complexo Hospitalar Regional de Cacoal.
No entanto, a comissão técnica da Superintendência de Licitações encontrou várias irregularidades, deu parecer contrário à continuação da Neomed no certame, mas por decisão da cúpula da Supel o parecer não foi acatado. Mesmo com as irregularidades apontadas, até mesmo a Secretaria de Estado da Saúde, determinou a continuidade, paralisada por alguns meses a partir da sentença.
Ao condenar o Estado a realizar diligências até mesmo no Mato Grosso, para comprovação das denúncias, a juíza destacou que o Estado de Rondônia deveria ir à fundo nessas investigações, para somente depois dar prosseguimento ao processo de licitação. “Com o resultado das diligencias, comprovada a inidoneidade dos atestados de capacidade técnica apresentados pela NEOMED, seja esta declarada inabilitada nos lotes: 03(item 03), Lote 06(item 07), lote 07(item 08), Lote 08(item 09), lotes 02(item 02), Lote 05(item 06), lote 09(item 10) do pregão 482/2018 SUPEL –RO, e por consequência, seja convocada a empresa próxima colocada, para aceitar os lotes retro. Do contrária, inexistindo a inidoneidade dos atestados de capacidade técnica apresentados pela NEOMED, seja dado prosseguimento do processo licitatório para contratação desta”.
Além dessas acusações, a empresa Neomed ainda responde a graves acusações no Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul (clique e relembre).
Processo retomado
Da sentença, o Estado recorreu, alegando que a juíza apenas faz uma série de determinações, sem, no entanto, ter decidido contra a Neomed. E agora decidiu seguir com o processo de licitação, mesmo sem qualquer nova decisão judicial.
A decisão pela continuidade da licitação foi tomada a partir de um ofício despachado no dia 28 de setembro pelo secretário da Saúde, Fernando Máximo, em que ele próprio já faz defesa sobre o prosseguimento do processo, dizendo que não haveria prejuízo. Ele não avalia, no entanto, a ordem para que fosse realizada a constatação das graves acusações.
O ofício de Fernando Máximo foi encaminhado ao superintendente estadual de Licitação, Márcio Rogério Gabriel, que pediu pareceres da PGE. O escarnio com o Judiciário estava começando.
Em um primeiro parecer, datado de 9 de novembro, o procurador Horcades Hugues Uchôa Sena Júnior relata que a pregoeira da Supel encaminhou ofícios para a própria empresa denunciada, a Neomed, para que prestasse informações sobre as acusações no Tribunal de Contas do Mato Grosso. Na sentença da juíza Inês Moreira da Costa havia a determinação expressa para que o Estado, realizasse “diligencias por meio da Pregoeira e equipe, após, intimando-se os Requeridos, junto ao E. Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso requerendo Cópia integral dos Processos nº 372137/2018 e 115169/2019, especialmente o Requerimento nº 206920/2019, para comprovar as irregularidades cometidas pela empresa, que forjou documentos para participar em processos licitatórios daquele Estado”.
Após expor várias questões, o procurador orienta que a Supel deve examinar apenas possíveis documentos sobre decisões definitivas responsabilizando a Neomed e defende essa tese: “Caso não exista, deve a Administração considerar a diligência como cumprida, uma vez que não se pode inabilitar a empresa apenas por haver apuração em trâmite, sem qualquer responsabilização ou determinação de impedimento à empresa, ainda que se tratem da hipótese de prática de atos graves. De fato, se não há nenhuma decisão impeditiva (que pode ser até mesmo em caráter liminar) em desfavor da empresa, a simples existência desse processo apuratório por si só não é causa legal de inabilitação”.
Essa orientação vai de encontro do que decidiu a juíza, que considerou gravíssimas as acusações e determinou apuração imediata.
Sobre uma outra determinação, para que fosse comprovada a prestação de serviços da Neomed com a empresa Interhospitalar Médicos Ltda e o Dr. Helder Hara Takaoka, o procurador explicou que a empresa deve comprovar a prestação dos serviços com a juntada de notas fiscais referentes à execução desses serviços.
Ao final o procurador opina que o processo seja retomado tão somente se as determinações judiciais forem cumpridas.
Já em 12 de novembro, o pedido de retomada do processo de licitação teve parecer do Procurador Geral do Estado, Juraci Jorge da Silva. Contrário ao que havia opinado o colega, Juraci afirma que é ilegal a exigência de nota fiscal para comprovação da prestação de serviços pela Empresa Neomed, alegando a existência do sigilo fiscal.
Esse procurador também defendeu que a empresa denunciada por graves irregularidades não seja afastada da licitação, se não houver decisão transitada em julgado. “Acertadamente entendeu pela verificação do resultado do processo naquela Corte de Contas Estadual. Contudo, recomendo cautela ao Gestor para que promova diligência no intuito de verificar se há decisão definitiva com eficácia erga omnes, no tocante à condenação da empresa NEOMED em participar de licitação, via declaração de inidoneidade, conforme acima explanado. Caso não haja decisão em definitivo com tal eficácia, não há que se falar em impossibilidade de licitar já que se tratam de federações distintas, pois qualquer paralisação seria violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII da CF/1988)”. Ou seja, a própria PGE já vê uma saída para a Neomed.
Ao final, o procurador disse que a licitação deve continuar, uma vez, que no seu entendimento, houve cumprimento da determinação judicial.
Como se viu, o Estado não cumpriu as determinações judiciais e, ao invés de realizar as diligências, pediu para a própria empresa denunciada que encaminhasse suas explicações sobre os procedimentos instaurados no Tribunal de Contas do Mato Grosso. Assim, a Neomed pode escolher o que enviar, uma vez que não é obrigada a produzir provas contra si. Também não será obrigada a comprovar, com notas fiscais, que realizou serviços a outra empresa par que comprove capacidade técnica. Tudo ao contrário do que decidiu a Justiça para garantir a contratação da Neomed.
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