Unir diz que não vai acatar recomendação do MPF sobre troca de aluna indígena
A Universidade Federal de Rondônia (Unir) afirmou, por meio de nota, que não irá acatar a recomendação do Ministério Público Federal (MPF), em Vilhena, para que substitua uma estudante do curso de direito de Cacoal, que ingressou na instituição por meio de cotas destinadas aos indígenas. O questionamento chegou ao MPF após reclamação coordenação das organizações indígenas do povo Cinta Larga e um abaixo-assinado subscrito por 80 indígenas relatando que não reconhecem a estudante como pertencente àquela etnia.
Confira a nota na íntegra
Primando pela transparência de seus atos, a Universidade Federal de Rondônia traz a público seu posicionamento quanto à questão das quotas de indígenas, em geral, e quanto ao caso específico da aluna Miliene Pabrine Gomes Cinta Larga, objeto da Recomendação 014/17 proposta pelo Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República em Vilhena, porém não acatada pelo reitor Ari Ott em face de razões legais e operacionais.
O reitor Ari Ott informa que tudo tem sido feito na conformidade da Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, e do Decreto 7.824, de 11 de outubro do mesmo ano.
A Lei 12.711 dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, e o Decreto 7.824, que a regulamenta, estabelece, em seu art. 2º, II, a reserva de vagas aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Não consta na legislação especial das quotas outra exigência além da autodeclaração.
O reitor Ari Ott encaminhou à Procuradoria da República em Vilhena o Ofício Nº 270/2017, informando que a Unir acatou Recomendação Nº 02/2017, do MPF no Município de Porto Velho, após negociação, no sentido de inserir na ficha de inscrição do processo seletivo de 2018 informações adicionais quando o candidato se autodeclarar indígena. Serão solicitados do candidato, além da identificação e endereço, elementos que sirvam para aferir a comunidade ou povo indígena a que pertença o candidato, bem como a relação de parentesco deste com outros indivíduos pertencentes àquele povo e ascendência indígena, a fim de atender devidamente aos nobres objetivos da política pública de quotas e evitar fraudes. Ficando, porém, estabelecido que não caberá à Unir a verificação da veracidade das informações.
Não há meios e maneiras de se proceder à análise de heterorreconhecimento daqueles que se declaram indígenas. O povo Cinta Larga é constituído de 1.934 pessoas. Quantas devem declarar ou negar a identidade do outro? Resta ainda uma duvida essencial: se o sujeito se declara descendente indígena de um povo exterminado pela fúria da ocupação branca, a este último sobrevivente deve ser negada a condição étnica?
O reitor Ari Ott exorta, ainda, à ponderação de aspectos antropológicos peculiares da cultura indígena. As visões essencialistas e ahistóricas, pretendem encontrar uma essência de quem é e de quem não é indígena. Porém os fenômenos sociais de etnogênese, etnificação e mestiçagem fortemente presentes na sociedade brasileira não podem ser abandonados em nome da busca de uma etnia supostamente pura ou original.
No caso de Miliene Cinta Larga, cuja exclusão do curso de direito é objeto da recomendação feita pelo Procurador da República em Vilhena, trata-se de alguém que, por meio de casamento, veio a integrar o grupo étnico Cinta Larga. Para os Cinta-Larga, assim como para os outros povos falantes de Tupi-Mondé, a família é a unidade significante da organização social. Uma família extensa é constituída por um homem (zápiway, literalmente "dono da casa"), suas esposas, seus filhos casados ou solteiros, filhas solteiras e noras, talvez seus irmãos e famílias, às vezes suas filhas casadas e genros. A filiação é estritamente patrilinear e a regra de residência é patrilocal, significando que a esposa passa a residir no grupo do marido.
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