PARA TRE DO MARANHÃO LEI NÃO PODE RETROAGIR PARA PREJUDICAR CANDIDATOS E NÃO PODE ESTAR ACIMA DE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Relator do caso envolvendo o deputado federal Sarney Filho (PV-MA), que teve o registro deferido após acusação do MP de já ter condenação anterior, o juiz Magno Linhares, do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA) considerou em seu voto, aprovado por 5 a 1, que a Lei da Ficha Limpa não pode retroagir para prejudicar nenhum candidato. "Entendo ser aplicável à espécie as normas dos incisos XXXIX e XL do art. 5º da Constituição Federal que exige a anterioridade da lei punitiva aos fatos ilícitos ensejadores da penalidade e proíbe a retroatividade da lei punitiva, a não ser para beneficiar o réu. São normas-princípios fundamentais para a segurança jurídica, considerada por Gustav Radbruch como uma “premissa de toda civilização” (apud, curso de direito civil, Paulo Nader, parte geral. Rio de Janeiro, forense, 2003, pg 149)." Sarney foi absolvido e disputa a reeleição.
3398-21.2010.6.10.0000 – Classe 38
REQUERENTE: COLIGAÇÃO “O MARANHÃO NÃO PODE PARAR F1 (PRB/PP/PT/PTB/PMDB/PSC/PR/DEM/PV)”.
REGISTRO DE CANDIDATURA – Nº:
3398-21.2010.6.10.0000 – Classe 38
REQUERENTE: COLIGAÇÃO “O MARANHÃO NÃO PODE PARAR F1 (PRB/PP/PT/PTB/PMDB/PSC/PR/DEM/PV)”.
CANDIDATO: JOSÉ SARNEY FILHO
CARGO: DEPUTADO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de requerimento de registro de candidatura, interposto pela COLIGAÇÃO “O MARANHÃO NÃO PODE PARAR F1 (PRB/PP/PT/PTB/PMDB/PSC/PR/DEM/PV)”, por seu representante legal, devidamente autorizado, para o cargo de DEPUTADO FEDERAL de JOSÉ SARNEY FILHO, sob o número, 4321 para concorrer às eleições de 3 de outubro de 2010.
O Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários da Coligação “O MARANHÃO NÃO PODE PARAR F1” (PRB/PP/PT/PTB/PMDB/PSC/PR/DEM/PV), foi deferido na sessão de julgamento de 19/07/2010, podendo-se passar à análise do presente requerimento de registro.
A secretaria Judiciária publicou edital, nos termos do art. 34 da Resolução-TSE nº. 23.221/2010 em 07 de julho de 2010. (fl. 79)
O Ministério Público Eleitoral apresentou IMPUGNAÇÃO, alegando para tanto que o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA) julgou procedente representação por conduta vedada movida contra o impugnado JOSÉ SARNEY FILHO, por ter violado o art. 73, inciso I, da Lei nº 9.504/97, aplicando-lhe apenas multa, em razão de ter veiculado propaganda eleitoral, via internet, no sítio oficial do município de Pinheiro-MA, nas eleições de 2006.
Diz, ainda, que a LC nº 135/2010, tornou inelegível o ora impugnado pelo prazo de 08 (oito) anos, a contar das eleições de 2006, tendo em vista o disposto no art. 1º, inciso I, alínea “J”, que elenca como causa de inelegibilidade os que forem condenados por conduta vedada “que impliquem cassação do registro ou diploma”.
Em sua contestação, fls.37/62, o ora impugnado argumenta, em síntese, que:
a) a aplicação alínea “J”, do inciso I, art. 1º, da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/2010, no caso em debate, como pretende o impugnante, violaria a Constituição da República e Lei de Introdução ao Código Civil, por desconsiderar os princípios do devido processo legal, irretroatividade da lei, da coisa julgada material, do ato jurídico perfeito, princípio da não-surpresa, princípio da confiança, da segurança jurídica, da proporcionalidade, da razoabilidade e do princípio da anterioridade da lei penal prevista no art. 5º, inciso XXXIX, da CF); e,
b) a inelegibilidade prevista na citada alínea “J” somente incide quando implicar em efetiva cassação do registro ou diploma do candidato, o que não ocorreu, pois o julgamento da representação resultou apenas na cominação de multa.
Em réplica, o impugnante se manifestou preliminarmente pela constitucionalidade e aplicação imediata da LC nº 135 às eleições de 2010. No mérito, sustenta que a incidência da mencionada alínea “J” não exige aplicação efetiva da cassação do registro ou do diploma, e sim, apenas a previsão legal no dispositivo em que foi enquadrada a conduta do candidato ( fls.84/92).
É o relatório.
VOTO
01. Do julgamento antecipado da lide. A LC nº 64/90 não proíbe ser a lide julgada antecipadamente. Tratando-se a questão de mérito unicamente de direito, como é o caso presente, ou, sendo de direito e de fato sem necessidade de se produzir prova em audiência, o julgador, em obséquio à celeridade processual, deve conhecer diretamente do pedido (aplicação subsidiária do CPC, art.330, I).
Na hipótese vertente, o impugnado argüiu em sua defesa questões preliminares e no mérito alegou fato impeditivo à pretensão deduzida na inicial, ensejando, por força do disposto nos artigos 326 e 327 do CPC, a concessão de réplica para o impugnante, conforme despacho de fl.81.
Portanto, recebo a última manifestação do Ministério Público Eleitoral como RÉPLICA, e, por se tratar de demanda cuja questão de mérito é unicamente de direito, indefiro nova manifestação das partes a título de alegações finais, passando a julgar o feito de maneira antecipada.
02. Da a inaplicabilidade LC nº 135/2010 ao caso concreto. Discutiu-se, por ocasião da edição da LC nº 64, de 18 de maio de 1990, ano de eleições, a eficácia imediata da referida lei frente ao disposto no art. 16 da Constituição Federal. Naquela época, o Egrégio TSE, através da Consulta nº 11.173-DF, rel. Min. Octávio Gallotti, respondeu que a lei sobre as inelegibilidades não configurava alteração do processo eleitoral, e, portanto, tinha eficácia imediata.
Fato semelhante se repete nos dias atuais em relação LC nº 135/2010, também em ano de eleições. Novamente, a Excelsa Corte Eleitoral decidiu, por maioria, pela aplicabilidade imediata da nova lei na Consulta nº 1.120-26/DF, rel. Min. Hamilton Carvalhido, apesar da ressalva de pensamento dos Ministros Arnaldo Versiani e Marcelo Ribeiro e do voto contrário do Ministro Marco Aurélio (Informativo TSE nº 19).
Na consulta nº 1147-9, rel. Min. Arnaldo Versiani, o TSE decidiu que “a nova lei de inelegibilidade se aplica aos processos em tramitação ou mesmo já encerrados antes da sua entrada em vigor”, ressaltando, como premissa o entendimento de que inelegibilidade não é pena e que não há direito adquirido à elegibilidade.
Entretanto, a moderna doutrina do direito eleitoral vem apregoando que as inelegibilidades se classificam, quanto à origem, em inelegibilidades inatas e inelegibilidades sanção ou cominada. As primeiras ocorrem independentemente da prática de qualquer conduta por parte do cidadão ou de terceiros em seu benefício e a segunda decorre da prática de alguma conduta ilícita praticada pelo candidato. Nesse sentido são as lições de Adriano Soares da Costa (in: Instituições de Direito Eleitoral, 8ª ed., Rio de Janeiro, júris lúmen, 2009, pg 149); José Jairo Gomes (in: Direito Eleitoral. 4ª ed. Belo Horizonte, del rey, 2010, pg 144/145); e Edson Resende Castro (in: Teoria e Prática do Direito Eleitoral, 5ª ed. Belo Horizonte, del rey, 2010, pg 132/135).
A idéia de sanção ou penalidade tem como pressuposto a violação de determinações legais ou administrativas, e representam certa privação aos bens e interesses da pessoa. Conforme lição de Miguel Reale sanção “é toda conseqüência que se agrega, intencionalmente, a uma norma, visando ao seu cumprimento” (in: Filosofia Do Direito, 14ª ed. São Paulo, saraiva, 1991, pg 260)
Note-se que o TSE, em dezembro de 2009 julgou Consulta nº 1729, rel. Min. Felix Fischer, decidiu que nas hipóteses de abuso de poder: “O termo inicial para a aplicação da sanção de inelegibilidade, nos termos do inciso XIV do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90, é a data da eleição em que ocorreu o ilícito. Súmula nº 19 do TSE (AgR-REspe nº 25.476/RN, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 24.4.2009)”.
O uso da palavra “sanção” reforça a idéia de que aquela Corte Superior vinha entendendo que a inelegibilidade decorrente de ilícito eleitoral seria autêntica penalidade, afinal, é absolutamente incompreensível equívocos terminológicos em decisão de grande relevância como é o caso das consultas.
Vários outros julgados do TSE também se valiam do termo “sanção”. Nesse sentido:
(...) A decretação de inelegibilidade constitui sanção prevista no art. 22, XIV, da LC nO 64/90, sendo perfeitamente cabível quando a causa de pedir reside na prática de abuso do poder político, não ficando caracterizado, in casu, o julgamento extra petita. (...)(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 35.980 (43773-77.2009.6.00.0000) -CLASSE 32 - IPATINGA - MINAS GERAIS.Relator: Ministro Marcelo Ribeiro, DJU 22/03/2010)
“(...) O art. 1°, I, c, da LC nO64/90 prevê a inelegibilidade daqueles que perdem seus cargos eletivos "por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal e da Lei Orgânica dos Municípios". Contudo, a pretensão de ver declarada tal inelegibilidade deve ser manejada por instrumento próprio. Tal sanção não se inclui entre aquelas previstas para o recurso contra expedição de diploma”
(EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA N° 698 - CLASSE 218 - PALMAS - TOCANTINS.) (DJU 05/10/2009)
A própria LC nº. 135/2010, dando nova redação ao inciso XIV, art. 22 da LC nº. 64/90 mencionou o termo “sanção”, dizendo que julgada procedente a representação por desvio ou abuso de poder ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, o julgador aplicará ao infrator “sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 08 anos subseqüentes à eleição que se verificou (...)”.
Nesse contexto, com a máxima vênia do Ministério Público Eleitoral, filio-me ao entendimento daqueles que vislumbram a natureza das inelegibilidades decorrentes de infrações à preceitos legais como autêntica hipótese de penalidade, e não de simples conseqüência de uma condenação, afinal os efeitos punitivos decorrentes de uma infração podem ser contemplados por um ou mais textos legais, não se exigindo que estejam restritos no mesmo dispositivo ou na mesma lei.
Sendo assim, entendo ser aplicável à espécie as normas dos incisos XXXIX e XL do art. 5º da Constituição Federal que exige a anterioridade da lei punitiva aos fatos ilícitos ensejadores da penalidade e proíbe a retroatividade da lei punitiva, a não ser para beneficiar o réu.
São normas-princípios fundamentais para a segurança jurídica, considerada por Gustav Radbruch como uma “premissa de toda civilização” (apud, curso de direito civil, Paulo Nader, parte geral. Rio de Janeiro, forense, 2003, pg 149).
Na análise da ocorrência do fenômeno da retroatividade das leis, o importante é a data da ocorrência dos fatos considerados ilícitos, e não o enfrentamento de suas conseqüências. No caso presente os fatos ensejadores da condenação do impugnado ocorreram antes da vigência da LC nº.135/2010, sendo o bastante para se inferir que a tese sustentada pelo impugnante implica na efetiva retroatividade de lei mais severa.
Sem dúvida a LC nº. 135/2010 é um grande avanço e um moderno instrumento de valorização da ética na política brasileira. Todavia, não pode servir de ameaça permanente às garantias individuais e às demais regras basilares do Estado Democrático de Direito.
O fato da lei nova atendente, em geral, a um maior interesse social, a convivência democrática exige de todos os construtores da ordem constitucional, legisladores e magistrados, redobrada vigilância aos impulsos momentâneos de determinada maioria, ainda que imbuídos do mais puro sentimento de justiça e das melhores intenções. Como bem enfatizou o arguto Maquiavel “é imprudente, e, portanto desaconselhável, passar abruptamente da clemência à crueldade”.
A inaplicabilidade da LC nº. 135 a fatos pretéritos não é reconhecimento de direito adquirido à elegibilidade. Evidentemente se o candidato reiterar sua conduta na vigência da nova lei, a sanção da inelegibilidade deverá ser aplicada com base nos novos critérios, e jamais com base nos critérios revogados.
Assim, embora a LC nº. 135 tenha aplicabilidade em tese, só pode disciplinar fatos futuros, ocorridos após a sua vigência.
Desse modo, acolho a preliminar suscitada pelo impugnado, para declarar a inaplicabilidade da alínea “j”, inciso I, art. 1º da LC 64/90, incluído pela LC nº. 135/2010 na hipótese vertente, não incidindo esta causa de inelegibilidade.
Quanto aos demais requisitos legais para o registro de candidatura, verifico que o pedido foi instruído como os documentos exigidos pelo art. 26 da Resolução TSE nº 23.221/2010 (art. 11, da Lei nº 9.504/97), reunindo o candidato todas as condições de elegibilidade para o cargo, não havendo nenhuma causa de inelegibilidade.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a IMPUGNAÇÃO ofertada pelo Ministério Público Eleitoral, e DEFIRO o registro da candidatura de JOSÉ SARNEY FILHO, sob o número 4321 e com a opção de nome SARNEY FILHO, para o cargo de Deputado Federal.
É como voto.
São Luís, 26 de julho de 2010.
Juiz MAGNO LINHARES
Relator
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